Plitvice e outras delícias selvagens
Os lagos de Plitvice são uma das maravilhas naturais da Croácia. Luís Maio (texto e fotos) não lhes poupa elogios, mas também ficou encantado com as cascatas de Krka, as escarpas de Paklenika e as florestas de Rinsjak. São impressões de viagem por um país pequeno com grandes tesouros naturais
A Croácia tem as ilhas e as praias, um dos pedaços de litoral mais idílicos do Mediterrâneo. Uma costa onde entretanto se vão sucedendo cidades como Dubrovnik, Sibenik e Split¸ que ao longo dos séculos acumularam um excepcional património arquitectónico e artístico, convertendo-se em autênticas cidades-museu. Depois há Zagreb, a capital interior, cada vez mais arty e cosmopolita. Mas nenhum retrato minimamente fidedigno da Croácia poderá ser traçado - ou seja, ninguém poderá dizer "estive lá" com algum crédito - sem considerar o seu extraordinário leque de parques naturais.
A Croácia é um pequeno país (56.542 km2), em que cerca de um décimo do território é paisagem protegida. Um caso sobretudo notável se atendermos à excelência desses espaços naturais. Espécies vegetais e animais que noutros lugares se contam pelos dedos da mão, se não desapareceram já do mapa, apresentam-se de boa saúde e em números encorajadores nos parques croatas. Tudo depende então da Croácia que se deseja visitar - e mesmo num registo de férias activas há que fazer escolhas.
Plitvice, um dos primeiros sítios no mundo classificados como património UNESCO, será a opção mais óbvia. Cenário inaugural do conflito armado µ
± com os independentistas sérvios, em 1991, os seus lagos tornaram-se desde o fim da guerra, quatro anos depois, numa das principais atracções do país e acolhem hoje cerca de um milhão de visitantes anuais A distâncias relativamente curtas encontram-se, porém, outros parques não tão famosos -que é como quem diz, menos concorridos -, que acenam com encantos paisagísticos e propostas de turismo activo complementares ou alternativas.
Plitvice
Os parques de estacionamento estão à cunha, é preciso ir para a bicha para comprar bilhete. Lá dentro só se consegue avançar em fila indiana junto aos sítios mais fotográficos. Esta é a rotina, pelo menos durante a metade mais quente do ano. O Parque Nacional de Plitvice (29.482 km2) está, porém, longe de se reduzir a uma Disneylândia de quedas de água. As advertências para não sair dos trilhos sinalizados, a proibição de pescar, de tomar banho e toda a lista de preceitos afixados à entrada são o preço a pagar para conservar esta maravilha natural intacta e as portas abertas aos contingentes de turistas.
A celebridade de Plitvice vem da excepcional concentração de 16 lagos, bacias (plitvak em croata) mais ou menos profundas que se foram enchendo de água ao longo dos séculos. Águas fortemente mineralizadas que, por sua vez, produziram e continuam a produzir muros de turfa ou travertino, do qual resulta uma centena de quedas de água, escalonadas num declive de cerca de 150 metros, ao longo de oito quilómetros. A envolvente dos Alpes Dináricos, montanhas cársticas oscilando entre os 1640 e os 884 metros, densamente florestadas e povoadas de vida selvagem, contribuem para a imagem de maravilha natural.
É um sistema de vasos comunicantes e não há nenhum lago isolado. Há, porém, dois aglomerados ou colares de lagos que se destacam e em torno dos quais se organizam as visitas, que decorrem por passadiços, escadarias e pontes de madeira. O roteiro dos lagos inferiores é um constante sobe e desce entre ravinas profundas, cobertas de vegetação luxuriante, sempre com a água a espreitar. O ponto alto deste programa é Velika Slap, que é como diz, a cascata mais alta do conjunto, onde a água se precipita de uma altura de 70 metros e ganha uma embalagem impressionante sempre que chove a sério.
Os lagos superiores não são tão dramáticos, mas aí as quedas e os cursos de água multiplicam-se um pouco por toda a parte. Há sítios onde as águas correm a uma velocidade aparatosa, outros em que preguiçam ou parecem reféns dos acidentes de percurso. Aqui são cortinas de água a cair com a força toda, ali um mero fio de água que sussurra docemente. Num recanto as águas são tão cristalinas que mais parecem a vitrina de um aquário, no seguinte são turvadas pelas pilhas de sedimentos arrastados pela corrente. O que mais impressiona, no entanto, é o constante baile de cores que as águas protagonizam, num espectro que vai do azul-marinho ao cinzento, do verde ao turquesa, mais uma centena de graduações intermédias.
É um festim para a vista, onde o que não se vê mas facilmente se acredita é também parte do encanto. Os muros de turfa são formados por sedimentos calcários que se desprendem do substrato cárstico, a que se juntam muitos outros materiais, que vão do musgo às plantas. Isso faz com que mais cedo ou mais tarde esses muros e as cataratas que deles dependem se desmoronem, só para se irem formar de novo ali mesmo ao lado. O visitante que não regressar não o poderá confirmar, mas ficará certamente convencido que o ecossistema de Plitvice se encontra em perpétua renovação.
Krka
Semelhante mas menos espectacular do que Plitvice, Krka oferece uma série de vantagens aos olhos do turista independente. Situada nas proximidades de Sibenik, já às portas do Mediterrâneo, esta área protegida abarca a bacia do rio Krka, bem como os dois quilómetros prévios de curso interior. São 109 km2 de paisagem protegida e mais declinação dos fenómenos cársticos, nomeadamente lagos e cascatas produzidas pela acumulação de travertino. A diferença é que há "apenas" sete desses caprichos morfológicos, na zona de Skradinski, a dois passos da entrada do parque, mais um colar de pequenas quedas de água, formadas numa garganta um pouco mais acima no rio. Uma grande compensação é raramente haver filas à entrada, outra é poder-se tomar banho mesmo em frente às cascatas. Aqui vêm a banhos os que vivem nas redondezas e os de fora que sabem, de maneira que o ambiente é quase familiar.
A chegada, para quem vem de Sibenik, descendo por uma estradita aos esses, é superfotogénica e já faz parte da diversão. Oferece uma variedade de vistas em picado sobre o rio com a pequena ilha de Visovac e o seu mosteiro no meio - uma paisagem que parece saída de um romance medieval. Passando as quedas de água e a zona de banhos, encontra-se um circuito de passadiços de madeira, que ziguezagueiam sobre riachos e quedas de água. O fluxo das águas é quase sempre ruidoso e intempestivo, convertendo o passeio numa experiência mágica, sobretudo quando a sua origem e curso só se adivinham nas raras clareiras do bosque.
Ao fim do circuito encontra-se um moinho do século XIX, agora em funcionamento pedagógico, onde se exemplifica como se fabrica polenta à moda antiga. O parque de Krka é também rico em vida selvagem, sobretudo anfíbios, répteis e aves. Uma presença habitual são os falcões, diariamente libertados pelo vizinho Sokolarski Centar (www.raptor-rescue-croatia.com). Funciona como hospital para corujas e mais aves de rapina, e oferece visitas comentadas, que consideram desde os hábitos dos bichos às razões das suas lesões e mortalidade. É como um documentário televisivo, onde se pode atravessar o ecrã e fazer festas na cabeça das aves. µ
Paklenica
São 96 quilómetros quadrados, recortados na ponta sul das montanhas Velebit, nas proximidades da cidade de Zadar. Um talhão mais comprido do que extenso, que compreende majestosas paisagens de montanha, fenómenos geológicos peculiares e vida selvagem de uma riqueza extraordinária. Por isso Paklenica é um dos parques nacionais mais antigos e emblemáticos da Croácia, mas não é para toda a gente. A maior parte dos caminhos são a subir e a descer, normalmente entre ravinas, onde não são autorizados nem sequer cabem veículos motorizados. Ou seja, é exclusivamente ou quase para desportistas e turistas rijos.
Os desfiladeiros de Velika e Mala Paklenica, talhados na pedra dolomita -praticamente na vertical desde os dez metros à beira-mar até aos picos da montanha que se elevam a 1735 metros de altitude - são de um incrível dramatismo e um paraíso para montanhistas. O parque é também uma delícia para espeleologistas, quando integra 53 fossos e 37 grutas, destacando-se Manita Pec, um festival de estalactites e estalagmites, que, como tudo o resto por estas bandas, é um prémio gostoso, mas difícil de alcançar: a entrada fica a meio da montanha (570 metros) e para lá chegar é preciso fazer trekking ascendente durante duas horas ou mais.
Nestas condições, não admira se Paklenica se converteu numa Meca para alpinistas e montanhistas. Há nada menos do que 400 itinerários de escalada com graus diferentes de dificuldade disseminados pelo parque. Os mais fáceis encontram-se à entrada do primeiro desfiladeiro, onde se concentram os aprendizes mais o respectivo estendal de cordas, mosquetões e afins. A maior parte são jovens alemães (croatas contam-se pelos dedos de uma mão) que abordam a montanha sem experiência, nem condições mínimas de segurança, até mesmo sem capacetes. Não admira se de vez em quando algum cai e se aleija.
Bem mais tranquila é a actividade dos amantes da botânica, outra classe de visitantes mimados em Paklenica: nas suas falésias crescem florestas relíquia de pinheiros negros e todo um sortido de espécies endémicas, incluindo uma porção de campânulas.
Risnjak
A ponta nordeste da Croácia é ocupada por cadeias de montanhas na casa dos 800 metros de altitude. É a zona mais pluviosa do país, sulcada por lagos e cursos de água, sempre emoldurados por densas florestas. Mais de sessenta quilómetros (63,5, para sermos exactos) dessa espécie de Suíça mediterrânica insere-se no Parque Natural de Risnjak, área protegida a meio caminho entre a capital Zagreb e a cidade costeira de Rijeka. O parque funciona, por outro lado, como fronteira natural com a Eslovénia e já se avista Itália (província de Trieste) um pouco mais para ocidente.
Lembra a Suíça no género charmoso, sem forçosamente atingir o escalão do deslumbrante. Essa é uma explicação para o escasso número de visitantes, mesmo se o parque confina com uma das faixas litorais mais turísticas do Adriático. O sossego é, no entanto, uma grande compensação, para um mosaico de paisagens de montanha que no essencial se conservam como sempre foram. A vida selvagem é uma das principais atracções e há sérias hipóteses de avistar todo um sortido de bichos, desde ursos castanhos a serpentes venenosas, passando por borboletas, doninhas e veados. Isto para além das trutas e umblas, que se encontram em abundância nos rios.
A observação desta fauna variada é propiciada por uma série de trilhos sinalizados e Risnjak é sobretudo um parque para aficionados de caminhadas (ligeiras) e piqueniques. O destino mais cobiçado é Veliki Risnjak, o cume mais alto da cadeia de montanhas, que se eleva a 1528 metros e se atinge em cerca de três horas de trekking a partir do centro de visitantes, na povoação de Bijela Vodica (800 metros). Há dois trilhos principais e é usual subir por um e descer pelo outro, atravessando florestas de faias e pinheiros, árvores que vão rareando à medida que se sobe, até se atingir uma pequena meseta de rochas dolomitas. Aí o prémio consiste em espreitar o mar, ao fundo da ondulante manta verde.
Outro percurso assinalado conduz à nascente do rio Kupa, serpenteando pelos vales retalhados por esse e outros cursos de água. Pelo caminho é natural que a atenção se fixe nas formas fantasmagóricas de raízes de árvores esventradas, bem como nas estreitas ripas de madeiras que cobrem a meia dúzia de chalets integrados na floresta. Isto até se atingir a nascente, ou melhor, o pequeno lago onde desaguam dois invisíveis veios de água, um lugar que dimana uma atmosfera quase mística. De volta ao centro de visitantes encontra-se um circuito de interpretação, que ilustra em 23 passos as particularidades do ecossistema de transição entre os Alpes e o Mediterrâneo.
A Fugas viajou a convite da TAP e do Turismo da Croácia