A voz que fez uma pausa no 12 de Março
Quem esteve no 12 de Março, no Porto, não esquece aquele momento. Susana Silva cantou a "Desfolhada" e transformou-se num ícone da manifestação
Soavam as 15 horas e a Praça da Batalha, no Porto, ganhava forma. Tentava-se contar: dois mil, três mil, cinco mil? De repente a praça cheia, de repente milhares, a impossibilidade de adivinhar um número. Cartazes erguidos, vozes revoltadas, discursos mais ou menos ensaiados.
Dia 12 de Março. Susana Silva, 26 anos, estava lá, naquela praça sem chão visível, bem junto ao palanque erguido para que as vozes se ouvissem. Não gostou dos discursos queixosos e sem soluções, queria dizer algo motivante. Pôs-se na fila e tentou desenhar um texto com todas as ideias que tinha. Não lhe saía nada.
“Não tenho jeito para as palavras. Tenho para cantar, mas não para fazer um discurso”, recorda a jovem de Paços de Ferreira, que fomos encontrar em Santa Catarina, a parar gente nas ruas.
A música como arma
Foi o que fez naquela tarde de 12 de Março. De fones nos ouvidos – onde soava o instrumental de a “Desfolhada Portuguesa” –, começou a cantar. E a multidão oscilou: entre um silêncio profundo e um eco sentido, assobios, palmas, entusiasmo. Do nada, a praça arrepiada.
O tema de Simone de Oliveira foi o discurso de Susana Silva - “É uma música de força, que vai buscar lá dentro aquilo que estava perdido”. Um hino cantado por alguém que também estava à rasca, de quem continua à rasca sete meses depois, de quem vai voltar a emigrar no fim do ano.
“Quem está no alto, pensa que somos estúpidos, que nos dão as coisas más e que nós estamos aqui para comer as coisas más, que nos dão mentiras e que nós temos de aceitar”. É a crítica de quem se revolta com o topo da pirâmide e não compreende quem, estando para baixo, não queira fazer melhor: “Há demasiada gente acomodada”, lamenta.
O palco das ruas
Susana participou no programa televisivo Ídolos e chegou aos dez finalistas. Depois os problemas: as pessoas não a recebiam bem. Emigrou para Londres. Tocou nas ruas, mas roubaram-lhe a guitarra. Não desistiu: um dia um artista de rua ofereceu-lhe uma: “Não me conhecia, chegou ao pé de mim e deu-me uma guitarra com duas cordas”. “Disse-me para me desenrascar e eu consegui”.
No dia 1 de Janeiro mudou o palco para as ruas do Porto. Arrendou um quarto “baratíssimo”, porque não a deixavam levar a guitarra no autocarro que vinha de Paços de Ferreira, a cidade dos pais.
Está a viver da música. O sonho dela é viver para sempre da música. E no entanto a certeza: “Aqui nunca conseguirei”. No final do ano vai casar-se e mudar-se para Inglaterra. Antes participará na manifestação de 15 de Outubro. E sempre que puder, quer o cheiro do Porto: “É a única cidade que me enche, mas não tem lugar para mim”.