Um erro Crato
Debate A polémica dos prémios aos melhores alunos
O Ministério da Educação (ME) atribuiu prémios de 500 euros aos melhores alunos do 12.º ano de todas as escolas secundárias. Quando os cheques já tinham provavelmente sido passados, e as cerimónias de entrega estavam marcadas, o ministro Nuno Crato decidiu que, em vez de receberem dinheiro, estes alunos iriam poder escolher o projecto que a escola deveria financiar com essa mesma verba de que tinham sido espoliados. Caberá a cada conselho pedagógico elencar os ditos projectos e "orientar" o estudante na sua escolha. Na prática, portanto, os alunos não escolherão nada. E ainda bem, já que não se vê por que motivo um adolescente com jeito para a Matemática ou para quaisquer outras disciplinas há-de estar habilitado a decidir se a escola deve comprar um retroprojector ou apoiar um estudante carenciado.
Imagine agora o leitor que uma cadeia de supermercados lança um concurso. Uns dias depois do sorteio, quando os detentores dos talões premiados já foram informados de que irão levar para casa um automóvel ou um LCD, o administrador do dito supermercado vem anunciar que, afinal, não há prémios para ninguém. Que lhe parece mal, argumenta, que uma firma respeitada recorra a expedientes tão venais para aliciar a clientela. Em contrapartida, convida os lesados a angariar alimentos para o Banco Alimentar Contra a Fome, permitindo-lhes que sejam eles a escolher a caixa junto à qual se querem colocar para recolher os sacos plásticos com pacotes de arroz e garrafas de óleo.
Vê o leitor alguma diferença - do ponto de vista ético ou mesmo no plano jurídico - entre o que imagino este hipotético gestor a ter feito e o que efectivamente fez o nada hipotético ministro da Educação? Eu, por acaso, até vejo. Desde logo, habilitar-se a um sorteio comprando uma embalagem de peitos de frango exigirá um esforço um pouco menor do que aquele que é presumivelmente necessário para se conseguir ser o melhor aluno de uma escola. E os consumidores, habituados a que os vigarizem, estão há muito vacinados contra todas as decepções. Mas quem sabe quantos dos adolescentes agora defraudados acreditariam ainda genuinamente que os seus governantes eram gente que honra a palavra dada? E já nem vou ao ponto de sugerir que, dadas as preocupações pedagógicas e formativas supostamente associadas à função, esta manigância talvez seja mais criticável num ministro da Educação do que num vendedor a retalho.
Acresce que a decisão de Crato tende a promover a injustiça social, já que os pais de alguns destes alunos terão condições para pagar o prémio do seu bolso - e é natural que o façam -, e os pais doutros, por muito que o desejassem fazer, não as terão.
Para se perceber melhor o que está em causa, vale a pena lembrar que o país tem 400 e tal escolas secundárias públicas, sendo que algumas deveriam atribuir dois prémios e outras apenas um. Estamos, portanto, a falar de bastante menos de meio milhão de euros, quase todo, de resto, já liquidado pelo ME, uma vez que a verba estava previamente inscrita nos orçamentos das escolas.
Não haver, literalmente, dinheiro para pagar seria a única justificação aceitável, e que ainda assim não isentaria o ministro da obrigação de pedir publicamente desculpa aos estudantes. Mas Crato assume que não se trata de dinheiro. Trata-se de moldar o carácter destes adolescentes. Aparentemente, está convencido de que enganá-los, primeiro, e depois obrigá-los, à força, a ser solidários é um método infalível para os transformar em cidadãos responsáveis.
Dito isto, reconheço que também não me agradam estes prémios. Nisso estou de acordo com Crato. Preferia que não existissem, ou que se traduzissem, por exemplo, em cheques-livro descontáveis em livrarias tradicionais. Mas eu não faço o elogio da competição nem gosto de ver crianças e adolescentes preocupados em saber se o colega do lado teve mais uma décima na nota de Matemática. O que deveras me surpreende é que Crato concorde consigo mesmo.
A quantidade de autarquias e empresas que já se afirmaram dispostas a financiar estes prémios - e garantiram-me que há casos em que directores de escola se ofereceram para os pagar do seu bolso - mostra bem a repulsa que a atitude do ministro gerou na sociedade. Não fosse este um executivo recém-empossado, a governar numa situação atípica, e não me espantaria que quem assim dá e torna a tirar já tivesse ido parar ao inferno dos remodelados.
Se Gauss tem a sua curva e Planck a sua constante, bem merece o ministro que este case study de inabilidade política venha a ser citado, nos futuros manuais de Ciência Política, como o Erro Crato.