Sistema de incentivo à reabilitação que Lisboa pretende já atribuiu 100 licenças no Porto

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Vista do primeiro edifício recuperado no Porto ao abrigo do sistema de créditos, em vigor há quatro anos. Trata-se do Palacete da Baronesa do Seixo, na Rua de Cedofeita, que no passado foi uma habitação unifamiliar e actualmente tem diversos apartamentos NFACTOS/Fernando Veludo

A atribuição de créditos de construção para quem aposta na recuperação de imóveis degradados existe no Norte há quatro anos e os resultados ainda são incipientes. Na capital ainda se está na fase da discussão

Um sistema de atribuição de créditos de construção semelhante àquele que a Câmara de Lisboa quer introduzir, para incentivar a recuperação de imóveis degradados, está em vigor no Porto há quatro anos. Durante esse período a autarquia liderada por Rui Rio (PSD) recebeu "mais de 100 processos de licenciamento" de obras que poderão beneficiar desse mecanismo, o primeiro dos quais foi o da reabilitação de um palacete na Rua de Cedofeita.

O presidente da Associação dos Industriais da Construção Civil e Obras Públicas (AICCOPN), Reis Campos, cuja filha esteve ligada a esse projecto inaugural do sistema de créditos do Porto, considera que "quando se fala em incentivos para a reabilitação, esta é uma forma inteligente de compensar quem a faz sem que a câmara seja prejudicada e tenha de pagar". Ainda assim, Reis Campos está convicto de que os resultados vão ser modestos, pelo menos por enquanto.

"O problema não é do sistema, que é bom, é da conjuntura", diz o presidente da AICCOPN. "Neste momento a construção está parada em Portugal. Estamos a construir cinco fogos por mês por concelho. E a reabilitação também não tem expressão, caiu 0,3 por cento em relação a 2010", frisa o mesmo dirigente associativo.

A directora do Gabinete de Comunicação e Promoção da Câmara do Porto, Florbela Guedes, defende que a atribuição de direitos concretos de construção constitui "um incentivo claro à reabilitação urbana, premiando financeiramente as intervenções de reabilitação do edificado situado na Área Crítica de Recuperação e Reconversão Urbanística".

Quanto à avaliação dos primeiros quatro anos do sistema, a mesma fonte refere que a autarquia "está obviamente satisfeita". Isto apesar de se salientar que "ainda não passou tempo suficiente para se fazer uma análise profunda, devido ao intervalo de tempo entre a atribuição do direito e o seu aproveitamento efectivo". O que se explica com o facto de o título com os créditos de construção só ser dado "depois da conclusão das obras de reabilitação e da obtenção da licença de utilização do prédio reabilitado".

Dúvidas em Lisboa

Em Lisboa, a criação do "sistema de incentivos a operações urbanísticas com interesse municipal" está a gerar um mar de dúvidas, incluindo de alguns vereadores da maioria que governa a autarquia. Dúvidas que obrigaram, aliás, a que fosse adiada a apreciação em reunião camarária do regulamento que estabelece os termos em que serão atribuídos os créditos de construção.

Durante a próxima semana, como adiantou ao PÚBLICO o vereador da Reabilitação Urbana, deverão realizar-se "sessões de trabalho" com os eleitos das diferentes forças partidárias para "afinar" o regulamento. Segundo Manuel Salgado, além de Portugal (no Porto) estão já a ser aplicados sistemas deste género em países como Holanda, Brasil, Japão e Itália.

O documento que ainda deverá sofrer alterações define que, em Lisboa, beneficiem de créditos de construção operações urbanísticas que contribuam para "a reabilitação de edifícios", "o restauro e reabilitação dos bens da Carta Municipal do Património" e "a demolição de edifícios existentes em espaços verdes de recreio e produção". Também serão valorizadas "a transmissão para o domínio municipal de áreas verdes" e obras que promovam "a libertação dos interiores de quarteirão, com aumento de área permeável" ou a melhoria da "eficiência energética" dos imóveis intervencionados.

Durante a última discussão pública desta matéria na Câmara de Lisboa, o vereador que tutela esta área, Manuel Salgado (PS), sublinhou que a atribuição de metros quadrados aos promotores dessas operações urbanísticas "não vai empolar os índices de construção", já que nunca poderão ser ultrapassados os valores máximos fixados no Plano Director Municipal (PDM). Será também a autarquia a determinar em que locais da cidade poderão os créditos ser utilizados.

Mafalda Magalhães de Barros, do PSD, defendeu que os créditos serão "ineficazes", numa altura em que "a área de construção está em crise e o acesso ao crédito é inexistente". Já Lívia Tirone, do mesmo partido, considerou que esta "é uma medida excelente" e o seu colega de bancada João Navega chamou-lhe "uma ideia imaginativa, uma solução interessante, sobretudo num momento em que não há liquidez no mercado".

Para a vereadora Helena Roseta, uma das maiores dúvidas prendeu-se com o facto de os títulos que vão ser emitidos pela autarquia indicarem apenas um determinado número de metros quadrados, e nenhum valor pecuniário. "Não é a mesma coisa ter metros quadrados na Ameixoeira ou no Chiado. Isto é muito arriscado, podemos estar a criar um mercado que vai gerar especulação", defendeu a eleita pelo PS, que tem o pelouro da Habitação. Também Ruben de Carvalho, do PCP, teme esse fenómeno.

Tanto Helena Roseta como Nunes da Silva apelaram a que fosse repensada a validade dos créditos de construção, que consideram "excessiva". Segundo a versão inicial do regulamento só caducarão aqueles que não tiverem sido utilizados quando entrar em vigor a próxima revisão do PDM. O vereador da Mobilidade sublinhou também a importância de haver um apertado controlo e monitorização deste sistema.

Falta dinâmica no mercado

Manuel Salgado acredita na vantagem dos créditos. "Tendo nós uma grande escassez de meios para investir, pode ser um incentivo muito grande para atingir os objectivos do município", afirma o vereador da Reabilitação Urbana. Ainda assim, o autarca admite que venha a ser "pouco eficaz" pelo menos num futuro próximo, enquanto "não exista dinâmica de investimento na cidade".

O sistema adoptado no Porto prevê que quem realizar determinadas operações urbanísticas, com "interesse público", seja compensado através da atribuição de "direitos concretos de construção". Segundo o regulamento do Porto, não beneficiam dessa compensação a "construção de novos edifícios", a "demolição integral de edifícios" e "ampliações em Áreas de Edificação Isolada com Prevalência de Habitação Colectiva".

Depois, os direitos de construção podem ser usados, como estipula o Plano Director Municipal, "em operações urbanísticas de construção de novos edifícios e em ampliações nas Áreas de Edificação Isolada com Prevalência de Habitação Colectiva". Na prática, a Câmara do Porto emite um título que confere um determinado número de metros quadrados de construção e quem apresentar esse documento poderá aumentar a edificabilidade máxima de 0,8 para 1,0.

Prémio para certificação

A localização e o tipo de obra são os factores que fazem variar o número de metros quadrados atribuídos. As operações de restauro são as mais valorizadas, seguidas das de conservação e das de reconstrução. Quanto à localização, ganham mais as intervenções na chamada Área de Intervenção Prioritária ou na Unidade de Intervenção, e logo depois as que forem feitas na Zona de Intervenção Prioritária. Há também uma bonificação para desempenhos energético-ambientais "superiores ao mínimo exigido pela legislação em vigor".

De acordo com informações compiladas a pedido do PÚBLICO pelo pelouro do Urbanismo da Câmara do Porto, desde o fim de 2007 "deram entrada mais de 100 processos de licenciamento, num total aproximado de 75.000 m2 de área bruta de construção". Daí a autarquia prevê que resulte a atribuição de "7500 m2 de direitos concretos de construção".

O primeiro pedido de licenciamento entregue ao abrigo deste sistema foi, segundo confirmaram ao PÚBLICO vários conhecedores do processo, o de uma obra concluída há alguns meses no número 433 da Rua de Cedofeita, no Palacete da Baronesa do Seixo.

Reis Campos, cuja filha era administradora da sociedade responsável por esta empreitada, diz que se trata de um edifício de cinco pisos que no passado foi habitação unifamiliar e depois esteve arrendado a uma escola.

A obra agora realizada, acrescenta, manteve a fachada do imóvel (que está classificado como Imóvel de Interesse Público, juntamente com outras edificações na mesma artéria) mas transformou o seu interior, para que passasse a ter garagens e diversos apartamentos. No topo do palacete foram instalados painéis solares, o que deverá beneficiar o promotor quando chegar a hora de receber os direitos concretos de construção devidos.

"Por acaso ainda não me foram concedidos, mas não é por culpa da câmara, é porque ainda não pedi", diz Reis Campos, que não sabe exactamente quantos metros quadrados de construção lhe vão ser atribuídos mas adianta que não será difícil dar-lhes destino: "Posso usá-los em prédios que adquiri", adianta.

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