O "resultado louco" que fez estremecer a Cosmologia
Estes "caçadores" de supernovas descobriram que o Universo está a expandir-se cada vez mais depressa. Nem eles estavam à espera
Desde os anos 1920 que se sabia que o Universo está a expandir-se em consequência do Big Bang, a explosão cataclísmica que criou o tempo e o espaço há uns 15 mil milhões de anos. E uma das questões fundamentais que os cosmólogos se colocavam era a de saber qual seria o destino final do Universo. A sua expansão continuaria para sempre, transformando-o numa imensidão de rochas mortas e geladas? Ou, antes pelo contrário, o Universo começaria um dia a contrair-se, acabando por desaparecer da forma fogosa como tinha surgido, num inimaginável Big Crunch?
Nos anos 1990, duas equipas de cientistas estavam a tentar determinar a velocidade de expansão do Universo através da observação de supernovas muito distantes e brilhantes. Uma dessas equipas era a do Supernova Cosmology Project, liderada pelo norte-americano Saul Perlmutter do Lawrence Berkeley National Laboratory (EUA) - que incluía, na altura, dois jovens investigadores portugueses do Instituto Superior Técnico de Lisboa, Patrícia Castro e Nélson Nunes (ver texto ao lado). A outra era uma concorrente directa: a High-z Supernova Search Team, liderada pelo australo-americano Brian Schmidt, da Universidade Nacional Australiana, onde também se destacava Adam Riess, da Universide Johns Hopkins (EUA).
Em 1998, ambas as equipas chegaram, cada uma por seu lado, ao mesmo resultado que desafiava o entendimento da época: o Universo não estava apenas a expandir-se, estava a fazê-lo cada vez mais depressa! Ao mesmo tempo, isso tornava ainda mais provável que a sua morte ficasse gravada no gelo e não no fogo.
Perlmutter (52 anos), Schmidt (44 anos) e Riess (41 anos) receberam ontem, por esta descoberta, o Prémio Nobel da Física. Um "resultado louco", segundo as palavras de Schmidt, citado pela AFP a seguir ao anúncio. Um resultado que "fez estremecer os alicerces da Cosmologia", segundo o comunicado emitido ao final da manhã pelo comité Nobel em Estocolmo. Perlmutter irá receber metade do montante do prémio de um milhão de euros; Schmidt e Riess partilharão a outra metade.
Energia escura
Pensa-se hoje que a aceleração da expansão do Universo é devida a uma enigmática energia, chamada "energia escura", que contraria o efeito da gravidade e que ainda permanece misteriosa, sendo "talvez o maior enigma da física actual", salienta o mesmo documento. O que sim é possível dizer é que essa energia escura representa mais de 70% do Universo, sendo os outros componentes a já célebre matéria escura (que ainda ninguém viu) e uma pequena fracção de matéria "normal", que é aquela que observamos todos os dias à nossa volta.Ironicamente, o primeiro a falar desta força repulsiva, que afasta as galáxias umas das outras, foi Albert Einstein, na sua Teoria da Relatividade Geral, em 1915. Tal como muitos outros cientistas do seu tempo, Einstein pensava que o Universo era estático e imutável. Mas como sem uma anti-gravidade acabaria por colapsar sobre si próprio, sucumbindo à força de gravidade, que atrai a matéria, acrescentou às suas equações uma "constante cosmológica" - uma espécie de força repulsiva que neutraliza o efeito da força da gravidade, impedindo a mudança.
Só que, pouco depois, em 1929, o astrónomo Edwin Hubble descobria, ao observar a luz das galáxias, que o Universo está em expansão. Einstein considerou então a sua constante cosmológica como a "maior asneira" da sua vida. Mas, afinal, a "maior asneira" de Einstein estava correcta. E se Einstein (que foi Nobel da Física em 1922, não pela sua teoria, mas pelo efeito fotoeléctrico) ainda fosse vivo, mereceria agora o (seu segundo) Nobel por ter sido o primeiro a teorizar a existência da energia escura...
Corrida para as supernovas
Voltando ao ano de 1998, a equipa de Perlmutter e a de Schmidt e Riess andavam numa corrida desenfreada entre si para detectar supernovas ditas "de tipo Ia", que lhes permitiriam determinar a velocidade de expansão do Universo. As supernovas são estrelas que morrem numa grandiosa explosão e, como o seu brilho aumenta então de forma espectacular, são bem visíveis. Quanto às supernovas "Ia", são o fogo-de-artifício final das anãs brancas, estrelas cuja massa, comparável à do Sol, está concentrada numa bola do tamanho da Terra. "Uma única supernova Ia pode emitir a mesma quantidade de luz que uma galáxia inteira", explica o comunicado Nobel. O acontecimento é visível a milhares de milhões de anos-luz da Terra e as variações de luminosidade destas supernovas servem para medir as distâncias no cosmos.Com o advento nos anos 1990 de grandes telescópios terrestres e do telescópio espacial Hubble, os laureados "caçaram" assim uma série de supernovas Ia. Mas qual não foi o seu espanto quando constataram que a luz vinda de cerca de 50 delas era mais fraca do que previsto. Isso era sinal de que estavam a ver a expansão do Universo a acelerar e não a abrandar. "Os nossos trabalhos sobre as supernovas visavam inicialmente medir a desaceleração da expansão do Universo sob o efeito da gravidade, mas mostraram na realidade a sua aceleração", escreve Perlmutter na sua página Web da Universidade da Califórnia. "As descobertas dos laureados do Nobel da Física 2011", conclui o comunicado, "contribuíram para revelar um Universo em grande parte desconhecido para a ciência. Tudo se torna novamente possível."