A felicidade existe nos lares de luxo? Parece que sim
Toalhas 100 por cento de algodão, banheira com rodas, tulipas amarelas ou um hospital ao lado. Os detalhes podem fazer a diferença. Hoje é Dia Internacional do Idoso
A estrada de paralelepípedos contorna um jardim relvado com árvores que se agarram às estacas para crescer. O pomar e a horta já têm sítios definidos e o programa pode esticar a qualquer momento dentro e fora do moderno edifício envidraçado, com retoques de madeira. O Lar Comendador Américo Ferreira Amorim, em Mozelos, Santa Maria da Feira, cheira a novo. Mais a norte, a unidade residencial para idosos do Carlton Life, na Boavista, no Porto, é um hotel com velas, tulipas amarelas, sofás espalhados pelas salas. Todos os luxos são bem-vindos na última fase da vida. Hoje assinala-se o Dia Internacional do Idoso. Actualmente, há 50.903 idosos que vivem em 406 lares de instituições particulares de solidariedade social. Poucos terão instalações como as dos lares de luxo que o P2 visitou.
O Lar Comendador Américo Ferreira Amorim foi inaugurado a 21 de Maio com toalhas 100 por cento de algodão e o nome do empresário estampado nos lençóis e nas chávenas de café. Sílvia Matos, lenço nos ombros, cara marcada pelos 86 anos, chegou a 3 de Julho com a roupa que meteu na mala, as fotografias da família que colocou na cómoda e as estátuas de Nossa Senhora que lhe decoram a mesinha de cabeceira. Os olhos estão cansados de uma vida debruçada sobre a roupa dos outros. Aos cinco anos, ajudava a mãe a coser as peças das clientes com o pé direito na máquina. O tempo passou, o marido partiu. "E perdi a força dos dedos", conta. Tem saudades da casa com vista para a capela, com quatro quartos, duas salas, um jardim e uma marquise, onde nos últimos anos ia fazendo arranjos de costura sem cobrar.
Os filhos acolheram-na, mas os corações andavam aflitos por deixá-la sozinha das oito da manhã às oito da noite. Procuraram o melhor. Sílvia Matos escolheu o quarto 14, cama junto à porta, piso da capela e da banheira de 17 mil euros apetrechada para ir buscar os idosos acamados ao quarto. Antes de se instalar, fez uma visita. "Gostei de ver, vim de vontade e estou de vontade. E agora tenho o tempo todo para mim e sou amiga de todos." Os filhos visitam-na regularmente, levem-na a almoçar e sempre que regressa tem braços abertos à sua espera. Nunca conheceu Américo Amorim. "Tenho um sobrinho que foi engenheiro de máquinas até se reformar numa fábrica Amorim e falava muito bem dele."
Preciosa Gomes, 86 anos, viu Américo Amorim no dia da inauguração do lar, entregou um ramo de flores à esposa do empresário. Foi a primeira inquilina a chegar. "Este lar é muito bom, muito bonito, é uma coisa sem precedentes, tem tudo o que é preciso", diz sentada na cadeira de rodas com o telemóvel no regaço. "Todos os dias os meus filhos telefonam para mim", justifica. Foi mãe de cinco filhos, trabalhou no grémio da lavadoura no Porto a selar as leiteiras durante quatro anos. Partilha o quarto com Joaquina Amorim de 104 anos que não larga o porta-moedas e a bengala que a ajuda nos seus passeios. "É tão esperta", confidencia.
O homem mais rico do país deu um milhão de euros para que o lar com 17 quartos singles e dez duplos saísse do papel. Impôs duas condições: qualidade nos materiais utilizados e obra sem agravamento de custos. A primeira foi cumprida à risca, a segunda quase - houve uma derrapagem de três por cento. Américo Amorim fez questão de acompanhar o processo de construção e continua atento ao que ali se passa - por exemplo, quer saber os resultados das análises microbiológicas feitas na área alimentar.
Todos os que ali vivem entram pelas regras estipuladas pela Segurança Social. Qualquer donativo leva recibo. Não é um lar para ricos, mas os luxos respiram-se nos detalhes. Cabeleireira à disposição, televisão e telefone nos quartos, ementas traçadas por nutricionista, alimentos criteriosamente seleccionados, técnicos atentos, espaços amplos, paredes envidraçadas que substituem o betão cinzento e pesado.
Jorge Ferreira, presidente do Centro de Apoio Social de Mozelos, que agrega o lar, e também presidente da junta de freguesia e médico que dá consultas gratuitas aos idosos, garante que os luxos estão nos detalhes. "É uma estrutura moderna que marca a diferença."
"O lar não pode ser um depósito de velhos. Aqui as pessoas podem ocupar o seu tempo, todos os dias da semana." Maria José Ramos, directora técnica, realça o programa de actividades que integra convívios com as crianças do centro social, ginástica duas vezes por semana, fisioterapia três vezes, desfolhadas, dias com música. "O ritmo de cada idoso é respeitado."
Há uma palavra que Jorge Ferreira gosta de ampliar: "amor". "Se conseguirmos dar amor, os objectivos estão alcançados."
Quarto com vista
Fernando Vaz, 85 anos, viu o Carlton Life Boavista, no Porto, crescer e não o troca por nada deste mundo. "Quando cheguei, ainda cá andavam os carpinteiros", recorda. Vive no quarto 444 com a mulher e é feliz. Os olhos claros do antigo dono de uma fábrica de exportação de azeitona de Valbom não desmentem. "Isto é uma maravilha, dificilmente se encontra um lar com estas condições, que fica junto a um hospital. É só sair de uma porta e entrar noutra, e por dentro", revela. O espaço, dos Hospitais Privados de Portugal (HPP), tem o toque do Grupo Pestana, que fez parte da primeira estrutura accionista, ou seja, o toque hoteleiro salta à vista. Paredes de madeira, candeeiros de pé, velas, sofás com almofadas, fotos do Porto em telas brancas, tulipas nas jarras, mobiliário funcional e moderno, várias salas para conviver, oito áreas para refeições, cabeleireiro com serviço ao quarto, simpatia de empregados de hotel. Em quatro pisos há 72 quartos, 60 por cento ocupados, oficina da memória (onde recordam o passado e fazem estimulação cognitiva), ginásio, zonas de convívio, ateliers de Literatura, História de Arte, Inglês. Com várias respostas, residência para idosos, centro de dia, reabilitação de doenças e também local para passar férias, os residentes são agrupados mediante necessidades, interesses, graus de dependência, características.O preço varia entre os 1500 e os 2500 euros mensais, dependendo do serviço contratado. Antes da entrada, é feita uma avaliação geriátrica completa com médico, enfermeiro, psicólogo e nutricionista.
Do quarto de Ludovina Costa Leça, 83 anos, vê-se a Igreja da Lapa. As varandas têm vasos e no piso da recepção há uma esplanada com um pequeno jardim e muitas mesas e cadeiras. Ludovina resistiu, mas lá acabou por fazer as malas e juntar-se ao marido que recuperava de uma doença a que não resistiu. Cabelos brancos, muito arranjada, sente-se feliz. "O pessoal é impecável. Toda a gente é bem tratada." E os dias acabam por ser ocupados com sopas de letras, terapia da voz, massagem às costas e na oficina da memória. "Estou no grupo mais avançado e não tenho tido grandes dificuldades. Estou bem, muito bem."Joaquim e Arlete Barroca, de 88 e 85 anos, respectivamente, são engenheiros reformados. Ele de Electrotecnia, ela de Química. Estão no Carlton há ano e meio e a dois passos de casa. Fazem uma vida autónoma, o lar é um hotel. Tomam o pequeno-almoço, saem para comprar o jornal, às quartas e sextas-feiras vão almoçar ao restaurante. Depois do almoço, vão até casa, lancham e voltam ao final da tarde.
Ela, de colar castanho, palavras cruzadas no regaço, muleta ao lado do sofá, gosta dos desafios dos quadrados em branco. Ele prefere colocar os CD no leitor que tem no quarto ou puxar dos livros que trouxe consigo para uma sessão de leitura. O problema da coluna de Arlete exige fisioterapia, mas nada que atrapalhe os planos das saídas e almoços fora. "As empregadas são fantásticas", diz o marido. "E as terapeutas são excepcionais", completa Arlete.
"Acho que ela é feliz", comenta a filha de uma senhora de 94 anos, que prefere não se identificar e que não se arrepende da opção. "Vimos alguns lares que nos indicaram, mas não havia termo de comparação em termos de qualidade de vida. A minha mãe é muito activa, tem muita energia, e não podia estar fechada num sítio onde tivesse pouca autonomia", acrescenta.
António Bissaia Barreto, administrador do HPP Boavista, defende que o conceito é inovador: residência com hospital. "Temos uma atenção muito grande na componente hospitalar, porque é o nosso negócio." O Hospital da Boavista fica colado, faz parte do mesmo sistema. É uma resposta inovadora e que veio colmatar uma lacuna no país, defende.
"Os utentes entram como se estivessem num apartamento ou na sua própria casa, fazem a sua vida. É um espaço que acaba por ter cuidados complementares e esta componente de oferta não é muito vulgar encontrar", resume. E o rácio salta à vista: uma média de dois cuidadores por idoso. Aqui o luxo respira-se.