Ordem dos Médicos assume pagamento de parte dos prémios que Ministério cancelou
Em comunicado, critica a decisão, que classifica como “aberrante e contraproducente” e apela, por sua vez, à Sociedade Civil, “para que se mobilize e colabore no reconhecimento do mérito dos jovens estudantes”.
Ontem, o ministro da Educação, Nuno Crato, desvalorizou o facto de a informação sobre a suspensão do prémio pecuniário só ter chegado às escolas das regiões Norte e Lisboa e Vale do Tejo anteontem, a três dias da cerimónia de entrega dos cheques e rejeitou que a medida possa ter consequências graves. “Pelo contrário, nesta altura de crise, andar a distribuir, a oferecer dinheiro às pessoas me parece bom”, disse.
Mas muitos directores mostraram-se inconformados, lembraram que há alunos carenciados entre os premiados. “O ministro nem tem ideia do que provocou”, comentou Adalmiro Fonseca, da Associação Nacional de Directores de Escolas Públicas. Considera válida a decisão do ministério, de canalizar aquelas verbas para a compra de materiais ou para o desenvolvimento de projectos sociais nas escolas, dando aos alunos premiados a possibilidade de escolher a iniciativa a apoiar. “Mas isto só faria sentido se, com tempo, ganhássemos os alunos para a causa. Estabelecer a solidariedade por despacho não – assim, não se faz”, diz.
Por regra, cada escola secundária atribui dois prémios, um ao melhor aluno dos cursos científico-humanísticos, outro ao melhor dos técnico-profissionais. Ontem, Adalmiro Fonseca ainda não ganhara “coragem” para telefonar aos dois alunos da sua escola que há alguns dias convidou para irem receber os cheques de 500 euros, amanhã. A situação é especialmente grave, concorda Manuel Esperança, presidente do Conselho das Escolas, “quando os directores têm noção de que os alunos em causa têm dificuldades económicas”. Ambos procuravam, já, mecenas que aceitassem substituir-se ao ministério no pagamento dos prémios. Manuel Pereira, da Associação Nacional de Dirigentes Escolares, disse conhecer colegas que já estavam a contactar empresas e autarquias. Adalmiro Fonseca falou de directores “dispostos a dar os 500 euros do próprio bolso, se não encontrarem alternativa”.
“O ministério não nos respeitou, mas nós devemos respeitar os alunos”, explica Manuel Esperança, que considera “inadmissível” não ter sido, sequer, informado da medida, apesar de ser “presidente de um órgão consultivo do ministério, criado pelo próprio ministério”.
“Fiquei triste, era uma grande ajuda”Um dos primeiros a saber da notícia foi Diogo Bhovan, que terminou um curso profissional de engenharia informática com média de 18, na Secundária Avelar Brotero, em Coimbra. Dirigiu-se ao director, para saber quando receberia o prémio e aquele pediu informações à Direcção Regional de Educação (DRE) do Centro, em meados do mês. “O dinheiro faz-me falta – terei de trabalhar mais do que contava para pagar as propinas, mas o que me indigna é que mudem as regras no fim do jogo”, reagiu Diogo, caloiro de Engenharia Informática.
Eva Lacerda, por ter completado o secundário em Gaia, na área da DRE do Norte, só ontem recebeu o segundo telefonema do director. “Para dizer a verdade nem percebi o que ele me disse – estava a contar pagar as propinas com este dinheiro e pensei que a opção de doar o dinheiro à escola seria minha…”, admitiu. Pedro Faustino, de Castelo Branco, caloiro de Medicina em Coimbra, pensou o mesmo: “Está aqui uma grande confusão, com a praxe, não percebi bem”, justificou. Ambos acharam “razoável” que, não podendo ser para eles, o dinheiro seja aplicado em projectos sociais.
“Fiquei triste, era uma grande ajuda – as despesas na Faculdade de Ciências do desporto são imensas ”, comentou Liane Henriques, acabada de sair da secundária de Vila Nova de Poiares. A mãe é secretária na função pública, o pai é ‘bate-chapas’ e “as propinas são caras”, diz. Regina Leite, aluna de Felgueiras que entrou em Medicina no Porto, mostra-se conformada. Perdeu a mãe aos 12 anos e teve de crescer depressa para ajudar o pai a cuidar da casa e da irmã, que tinha seis anos. “Ainda assim, nunca tive de trabalhar fora de casa, por isso acredito que haja pessoas a precisar mais do que eu”, disse, ao saber que não receberia o prémio.
Em comunicado, o Conselho Executivo da Ordem dos Médicos diz subscrever as palavras que outro aluno, Miguel Saraiva, da Escola Alves Martins, de Viseu, que terá afirmado à comunicação social que faz “votos para que, no final do ano, os prémios dos gestores públicos de milhões de euros também sejam suspensos” e que assim possam “todos ajudar Portugal”.
O texto tem uma forte vertente política – o Conselho Executivo da Ordem dos Médicos acrescenta que a atitude do Governo “é tanto mais incompreensível, quando, num país falido e que a breve prazo terá mais de 6000 médicos sem trabalho, se insiste em desperdiçar milhões de euros num curso de Medicina, em Aveiro, completamente desnecessário e que o Conselho Geral da Universidade do Porto considerou que não tinha qualidade”. “Corrija-se o erro, poupe-se o dinheiro e premeie-se o mérito”, convida.
Também se refere ao caso dos alunos que entraram em Medicina através do Ensino Recorrente, “deixando à porta dos almejados cursos jovens que estudaram, se esforçaram e cumpriram as regras habituais e normais do acesso à Universidade”. O Ministério da Educação, que teve conhecimento desta situação através do PÚBLICO, anunciou na semana passada que a inspecção está a analisar estas situações.
Quanto à iniciativa da Ordem dos Médicos, o ministério diz que "vê sempre com bons olhos que haja entidades a apoiar os alunos e as escolas", segundo uma nota enviada ao PÚBLICO pela sua assessoria de imprensa.
Notícia actualizada às 21h17