Pronto-a-vestir

Em poucos anos, graças ao sucesso de “Em Paris” ou “As Canções de Amor”, e à rimbombância “choque” de um filme como “L''Homme au Bain” (o seu opus precedente), Christophe Honoré tornou-se numa espécie de autor-vedeta, alguém capaz de manter um pé dentro da tradição do cinema francês moderno (“nouvelle vague” e para lá dela) e ao mesmo tempo de a reformular de maneira “comunicativa”.


A coisa já lhe correu bem, sobretudo nos momentos em que esta exuberância pareceu nascer de alguma forma de sinceridade (o que foi o caso de “Em Paris”). Mas corre-lhe cada vez pior: “Os Bem-Amados” é tudo isso, a “cinefilia”, a “nouvelle vague”, o “cinema francês”, transformado em catálogo de “pronto a vestir”, colorido, grandiloquente e muito, muito, auto-satisfeito.

“Pronto a vestir”, de facto: tudo começa com um par de botas (ao som de uma célebre canção que fala, exactamente, de botas) e uma loja de roupa, nos anos 60, e não faltam os figurinos nem os penteados. Em jeito de saga familiar, acompanhando a história de uma mãe (que em jovem é Ludivine Sagnier e depois passa a ser Catherine Deneuve), da sua filha (Chiara Mastroianni), e dos homens que em torno delas gravitam (entre os quais Milos Forman, um “não-actor” que é talvez a presença mais energética de todo o filme, e Louis Garrel, mais em estilo “passerelle” do que nunca), é um filme sobre “modas” e “ares do tempo”, da liberalização feminina (ou feminista) dos anos 60 a todas as marcas das últimas décadas (não faltam a Sida nem o 11 de Setembro).

Honoré filma a cem à hora, quase à velocidade de um épico hollywoodiano, numa vertigem que é quase sempre incapaz de sugerir convenientemente o negrume e a angústia que é suposto atormentarem as personagens - e isto é particularmente grave no caso da de Chiara Mastroianni, que a dado ponto se torna central, e cuja paixão/obsessão por um baterista americano “gay” (Paul Schneider) nunca cola, parecendo mero artifício para conduzir a personagem à auto-destruição melodramática. Mas o filme também parece isso, mero artifício, mero pretexto, para mostrar “vedetas”, para exibir uma relação com o cinema francês (não faltam as canções para o efeito pavloviano de levar o espectador a dizer “ah, Demy!...”, mas desde o primeiro momento musical se sente que aqui as canções não vão adiantar nem atrasar), para assinalar uma cinefilia (o nome da personagem de Forman é... Passer, um cineasta checo a interpretar uma personagem com nome de outro cineasta checo). É possivelmente o ponto mais baixo da carreira de Honoré.

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