Mariana, a Miserável é aquela que "chega atrasada a todas as festas e não tem uma festa nunca". É "fixe", tem "bizarros triângulos amorosos", mas não tem sorte nenhuma. É realmente miserável. Segundo a biografia, "vendeu o seu coração numa loja de 'souvenirs' para pagar a conta da água". Ainda assim, é "sarcástica", consegue "rir-se de si própria".
Mariana Ramos dos Santos está a falar como se tivesse duas personalidades. "Isso não é bom, não é saudável." Continua. É disciplinada. Acorda cedo para desenhar. Tal como a Miserável, não gosta de inaugurações. Encolhe-se na cadeira quando explica o que é ouvir pessoas a comentar os seus trabalhos. "É difícil, é mesmo difícil."
Criou um alter-ego não sabe muito bem como ou porquê. Pediram-lhe uma biografia para uma exposição e não se identificou com a habitual ladainha: "Nascida em Leiria, em 1986, frequentou a ESAD nas Caldas da Rainha." Queria algo menos sério. "Eu não sou assim. Gosto de ser encarada de uma maneira mais leve."
Chegou a pensar em usar máscaras nas entrevistas. Não o fez, mas se calhar inventar a Miserável foi a artimanha que arranjou para conseguir expor-se. "Ela é muito mais fixe do que a Mariana Ramos dos Santos."
Mariana, a Miserável não sabe desenhar
Actualmente frequenta o último ano do mestrado em Design Gráfico e Projectos Editoriais na Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto (FBAUP). Desde a licenciatura que "resolve" os trabalhos com ilustração. No entanto, sente-se incapaz de "imitar a realidade". "Não sei desenhar, não sei desenhar o real", diz, desconfiamos que Miserável.
Gosta de desenhar pessoas, principalmente mulheres ("têm um cabelo melhor"), a preto e branco ("não gosto muito de cor"). Procura o "grotesco", não quer nada "perfeitinho". "Quando está a ficar demasiado bonito, começo outra vez. Foi essa a minha dificuldade com as gravuras. O traço é muito delicado, foi difícil torná-las feias."
Não tem muito cuidado. Em 2010, desenhou principalmente com pincéis comprados nas lojas chinesas. Agora já tem uns "melhores", diz, mas nem sempre os lava. Desenha com barulho, mesmo que a rádio passe "músicas pirosas".
É lamechas
Uma conversa com amigos pode ir parar a uma ilustração. Será um aviso? "Inspiro-me no que se diz à minha volta. Sou um bocado lamechas. Inspiram-me coisas amorosas, desgostos. Ando para tirar frases directamente das novelas e ilustrá-las."
Este é um pormenor importante dos trabalhos de Mariana, a Miserável. O texto "completa e enriquece" a ilustração.
O "modus operandi" é sempre o mesmo. Para cada exposição, tenta encontrar um tema e depois trabalha a partir dele. Foi assim que surgiu a série dos provérbios. Escolheu meia dúzia e ilustrou-os, mas antes traduzi-os para inglês. Criou pérolas como "you're being a running mackerel" ("estás armado em carapau de corrida"), em que se vê um peixe de olho vermelho com pequenas pernas. "Ficou ridículo e eu gosto disso."
Entre a escrita da tese, Mariana lá vai tendo novos projectos. Na calha está uma fanzine feita com David Penela. Em "The End", patente até 13 de Outubro, partilha as paredes da Ó! Galeria (o "maior meio de divulgação" que tem no Porto) com o seu professor, Júlio Dolbeth. O encontro já não se faz apenas na sala de aula.