De x em x anos, os rumores começam a rodar outra vez que Woody Allen voltou à sua grande forma, a partir de um filme particularmente inspirado - aconteceu entre 1994 e 1996 (“Balas Sobre a Broadway”, “Poderosa Afrodite” e “Toda a Gente Diz que Te Amo” de rajada), depois em 1999 (“Através da Noite”) e 2005 (“Match Point”), apenas para o que vem a seguir decepcionar significativamente. Em 2011, os rumores davam a entender que o novo “Meia-Noite em Paris”, a mais recente paragem na “tournée europeia” iniciada com “Match Point”, era o novo “regresso à grande forma” - tornou-se no seu maior êxito comercial em muitos anos (nos EUA é mesmo em quase 30 anos) e no seu filme melhor recebido desde “Match Point”. E é verdade, “Meia-Noite em Paris” é mesmo o melhor Allen desde “Match Point”. E tal como aquele remetia forçosamente para uma das últimas grandes obras-primas do cineasta (“Crimes e Escapadelas”, 1989), também o novo filme marca um regresso à leveza fantasiosa de “Toda a Gente Diz que Te Amo” dentro de uma narrativa que retoma a premissa melancólica da lendária “Rosa Púrpura do Cairo” (1985).
O tema, não por acaso, é caro a Allen: a nostalgia de uma “idade de ouro” passada, traço que sempre foi recorrente no cinema do nova-iorquino (“O Agente da Broadway”, “Os Dias da Rádio” ou “A Maldição do Escorpião de Jade” são exemplos) ou mesmo nas suas escolhas artísticas (como o jazz pré-II Guerra Mundial que ele continua a tocar todas as segundas-feiras e que compõe, desde há décadas, a exclusiva banda-sonora dos filmes).
Quem conhece os seus textos humorísticos reconhecerá em “Meia-Noite em Paris” referências a alguns deles (e nomeadamente ao “Episódio Kugelmass” onde a Madame Bovary de Flaubert se materializava na Nova Iorque contemporânea) nesta história de um americano em Paris, fascinado pelo passado mítico da cidade, que um táxi mágico transporta até aos anos 1920. É uma aplicação prática da velha máxima “dantes é que era bom”, que Allen confronta engenhosamente com a realidade para provar por A+B que não senhor, dantes era tão bom como os dias de hoje. O jogo de passados e presentes que o realizador encena com humor, com Gil Pender (Owen Wilson como o mais recente alter-ego Alleniano) a encontrar (e a pedir conselho a) Hemingway, F. Scott Fitzgerald, Dali ou Picasso, é lucidamente resolvido em favor do presente, tornando “Meia-Noite em Paris” numa espécie de “adeus à inocência”, moderando a amargura recente dos últimos filmes com uma serenidade discreta e um optimismo que sugere que, afinal, tudo pode dar certo.
Comparado com a escuridão escarninha de filmes mais recentes como “O Sonho de Cassandra” ou “Vais Conhecer o Homem dos Teus Sonhos”, “Meia-Noite em Paris” é literalmente luminoso - é o filme de um realizador que, de certo modo, acabou de fazer as pazes com o mundo e se concentra naquilo que realmente interessa, com uma elegância e um humor abertos que já não víamos em Allen há uns anitos largos. Pode-se acusar o filme de tombar no cartão-postal do turismo parisiense (e o que é a abertura do filme senão uma versão parisiense de “Manhattan”?) mas essa é também uma parte importante do engenhoso jogo de espelhos que Allen lança, com o postal a funcionar como metáfora das ilusões feitas para serem desfeitas: por trás da imagem há vida e emoção que vão muito para lá da superfície. E se, como se diz a certa altura no filme, o trabalho de um artista é “não sucumbir ao desespero”, Allen, por uma vez, recusou-se a fazê-lo. E sim, o resultado é o seu melhor filme desde “Match Point”.