Priscila Fernandes vence Prémio EDP Novos Artistas
Que tipo de indivíduo estamos a formar é uma das questões levantadas pela obra da artista
Priscila Fernandes está a posar em frente a um dos seus trabalhos em vídeo, no espaço central do Museu da Electricidade, em Lisboa. Os fotógrafos disparam as câmaras sem parar. Ela sorri e acena que sim quando lhe pedem só mais uma foto, agora junto ao outro vídeo com que concorreu ao Prémio EDP Novos Artistas 2011 - prémio do qual, acaba de saber, foi a vencedora.
Cinco minutos antes, o presidente da Fundação EDP, António Mexia, anunciara que, entre os nove artistas actualmente em exposição no Museu da Electricidade, Priscila (Coimbra, 1981) fora a escolha do júri desta 9.ª edição, composto por José Manuel dos Santos, director da Fundação EDP, José Pedro Croft, artista, e três curadores, o português Alexandre Melo, o brasileiro Moacir dos Anjos e a australiana (actualmente curadora no Museu Reina Sofia, em Madrid) Lynne Cooke. O prémio tem um valor de 10.500 euros e deverá ser aplicado no trabalho do artista.
O júri decidiu ainda distinguir André Trindade (Lisboa, 1981) com uma menção honrosa. Os restantes finalistas, escolhidos entre 408 candidaturas pelos críticos Delfim Sardo, Nuno Crespo e João Pinharanda, são Ana Manso, Carla Filipe, Catarina Botelho, Catarina Dias, João Serra, Nuno Luz e Vasco Barata (os seus trabalhos podem ser vistos no Museu da Electricidade até dia 18).
A saia vermelho-vivo e o top azul forte de Priscila contrastam com as cores, também fortes, do vídeo That Which is Above That Which Is (2010), junto ao qual foi fotografada. "É filmado numa casa modernista", explica a artista, que saiu de Portugal em 2003, tem vivido em Roterdão e que está neste momento numa residência artística em Estocolmo, na Suécia. Trata-se, através de imagens de uma cozinha e de legumes a serem cortados, de uma reflexão sobre o modernismo como sistema de controlo dos indivíduos no espaço. "Queria perceber como é que a paleta de cores do modernismo nos afectou."
O outro trabalho, Product of Play (2011), projectado dentro de um cubo negro, trata o mesmo tema - aqui, através das imagens de duas crianças sobre um fundo branco, a artista reflecte sobre técnicas pedagógicas, sistemas de controlo e "o tipo de indivíduo que estamos a formar para a futura sociedade". Uma das questões que interessa a Priscila é a forma como se educam as crianças. "É uma sociedade em que o indivíduo tem que ser produtivo, e que nos pede para estarmos sempre aptos a actuar e a actuar bem." E vê a ironia na situação em que se encontra - "o Prémio EDP é um exemplo" desse "actuar bem" que a sociedade nos pede.
Para o júri, a obra de Priscila Fernandes revela uma "grande densidade e complexidade de linguagens [que] se desvenda de um modo claro e que se abre a uma multiplicidade de leituras e caminhos de desenvolvimento". Justificando a menção honrosa atribuída a André Trindade, o júri explica que o trabalho do artista (a peça exposta intitula-se Sem a cabeça estar bem cozida, não vale a pena comer a língua) "evoca um tempo e um lugar familiares [neste caso, uma tasca portuguesa], ao mesmo tempo que nos coloca numa situação de estranheza".
O Prémio EDP Novos Artistas, criado em 2000, foi atribuído no passado a artistas como Joana Vasconcelos, Leonor Antunes, Vasco Araújo, Carlos Bunga, a dupla João Maria Gusmão e Pedro Paiva, João Leonardo, André Romão e Gabriel Abrantes.
O secretário de Estado da Cultura, Francisco José Viegas, esteve na cerimónia de ontem e aproveitou para sublinhar que "é cada vez mais importante os privados participarem no financiamento da cultura". Quanto à nova Lei Orgânica da Cultura, que deverá estar pronta no final do mês, pretende-se que seja "o mais leve possível, e que exija a participação da sociedade civil".