Um filme de Teresa Villaverde é sempre um desafio - ao longo da sua obra muito espaçada ("Cisne" é apenas a sexta longa em 20 anos), a realizadora tem desenvolvido um universo profundamente pessoal e intransmissível, uma espécie de cinema do inconsciente que se pode ver como exorcismo, catarse, libertação, busca, tentativa de compreender o mundo em que vivemos e o modo como as suas personagens sempre no fio da navalha enfrentam os obstáculos que ele lhes coloca.
"Cisne", história de uma cantora apaixonada por um músico que ela só consegue amar à distância e adorada por um jovem abandonado pela sua mãe, meditação sobre o amor e a família marcada pela intensidade oblíqua da sua narrativa poética, começa por trazer uma grande novidade ao cinema de Teresa Villaverde: uma actriz. Uma actriz que, à imagem de Ana Moreira, Maria de Medeiros ou Galatea Ranzi em filmes anteriores, se entrega por inteiro ao seu papel com um abandono impressionante mas que, muito mais do que qualquer delas, consegue uma osmose tão perfeita com o universo da realizadora que quase se diria serem uma e a mesma pessoa. Não poderia haver melhor escolha do que Beatriz Batarda para esta Vera, mulher que se diz sem medo mas que se vê confrontada com um mundo que não se conforma nem se encaixa na sua imagem e no seu desejo (não por acaso, ela é artista, cantora... e é difícil não vermos Vera/Beatriz como um "duplo" de Teresa, uma personagem que diz muito sobre quem a criou quase sem que nos demos conta disso).
Vera é uma solitária sem família que, pelo fim do filme, encontrou nos outros um semblante de paz - e essa é também outra novidade de "Cisne": o modo como Vera/Beatriz se dirige para um futuro de esperança que o inferno dos filmes anteriores não garantia forçosamente, como se houvesse ao virar da esquina um conforto e uma calmaria longamente desejadas e longamente merecidas. Tudo isto contado no modo não-linear a que Teresa Villaverde nos habituou, "maculado" por uma trama secundária que envolve meninos de rua e sugestões de pedofilia, trabalhando um tema recorrente no cinema da realizadora (a inocência perdida), mas aqui insuficientemente desenvolvido e quase metido a ferros num filme que é muito mais sobre uma mulher que se procura sem saber como se encontrar. Sente-se que "Cisne" é um filme de "transição", um objecto "entre", um passo aquém do grande filme de que o seu talento é capaz - mas um grande passo em frente.