Investigações às "secretas" condicionadas por lei do segredo de Estado e dever de sigilo
Dentro e fora dos serviços secretos poucos acreditam em inquéritos conclusivos. PCP quer extinguir Conselho de Fiscalização
Apesar de o primeiro-ministro, que tem a tutela directa dos serviços de informação, ter agendado para hoje uma reunião com Júlio Pereira, secretário-geral do Sistema de Informações (SIRP), na sequência da notícia de que o Serviço de Informações Estratégicas de Defesa (SIED) terá tido acesso ilegal aos dados telefónicos do jornalista Nuno Simas, em 2010, dentro e fora das "secretas" emergem dúvidas sobre os resultados concretos das investigações. A leitura inicial é que o inquérito interno pedido por Passos ao SIRP (o segundo no período de um mês) e o processo de averiguações do Ministério Público não só serão rotulados de inconclusivos, como também o acesso aos relatórios de ambos será interdito, ao abrigo da lei do segredo de Estado, do dever de sigilo e das normas sobre matérias classificadas. Todas as informações e documentos das "secretas", assim como os seus elementos, estão abrangidos pelo segredo de Estado, cuja lei define, no artigo 2.º, que estão submetidos a este regime "matérias que visam prevenir e assegurar a operacionalidade e a segurança do pessoal, dos equipamentos, do material e das instalações das Forças Armadas e das forças e serviços de segurança".
Mesmo a documentação adquirida de forma ilegal, justificada com a preservação da segurança interna e externa, pode ser classificada como confidencial e entrar no campo do segredo de Estado, pelo que a sua transmissão para fora dos serviços e publicitação constituem crimes contra o Estado, explicou ao PÚBLICO Jorge Bacelar Gouveia, constitucionalista e ex-presidente do Conselho de Fiscalização do SIRP (CFSIRP).
A descrença nos resultados das investigações sobre o acesso ilícito aos dados telefónicos de Nuno Simas é, entre outros argumentos, sustentada com a notícia, revelada pelo PÚBLICO, de que o primeiro-ministro impediu o Parlamento de aceder ao relatório do SIRP sobre as alegadas fugas de informação dos serviços, protagonizadas pelo ex-director do SIED Jorge Silva Carvalho. Numa carta enviada a Fernando Negrão, presidente da Primeira Comissão, e a que o PÚBLICO teve acesso, Passos invocou a lei do segredo de Estado para justificar a sua decisão, especificamente a possibilidade de a divulgação dos dados provocar dano à segurança interna e externa. "Agora vai acontecer o mesmo", afirma António Filipe, deputado do PCP e membro daquela comissão, que, amanhã, vai apreciar os requerimentos do PS e dos comunistas para ouvir Jorge Silva Carvalho e Júlio Pereira. As audições, caso sejam aprovadas, irão decorrer à porta fechada, mas deputados de várias bancadas ouvidos pelo PÚBLICO não acreditam na eficácia das iniciativas, já que muitas perguntas ficarão sem resposta, novamente ao abrigo do dever de sigilo e do segredo de Estado.
Fiscalização "não existe"
Depois de o Presidente da República ter vetado, em 2009, o diploma que alterava a lei do segredo de Estado e que confiava a uma comissão parlamentar o poder de desclassificar dados e documentos sujeitos ao regime, a solução de fiscalizar o trabalho das "secretas" poderá passar pela criação de nova instância na Assembleia da República. Isso mesmo consta de um recente projecto de lei do PCP, que defende que essa instância deveria ser liderada pela presidente do Parlamento e composta pelos presidentes das comissões de Assuntos Constitucionais, Negócios Estrangeiros e Defesa. Para tal seria necessário extinguir o CFSIRP e a Comissão de Fiscalização do Segredo de Estado, um órgão-fantasma que existe há quase décadas.Segundo António Filipe, o trabalho da primeira entidade foi novamente colocado em causa com a notícia de que o SIED teve acesso a registos telefónicos. "Isto nunca foi detectado pelo CFSIRP, o que significa que o modelo de fiscalização não existe", nota. Acrescenta que, "quando estes problemas surgem, a reacção do CFSIRP é a de dizer que contactou o director dos serviços, que o director disse que estava tudo bem e a coisa fica por aí".