A angústia pelo corpo perfeito não é só uma questão feminina

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A Campanha pela Beleza Real da Dove teve Susie Orbach como conselheira Colin McPherson/corbis/vmi

Fazemos dietas, trabalhamos músculos, maquilhamo-nos, mudamos os narizes, as rugas, os lábios. Fazemos dos nossos corpos um "projecto pessoal", que queremos que seja perfeito. Tratamo-lo como mais um produto. Susie Orbach, psicoterapeuta, feminista e activista, tem lutado contra isto - ou melhor, tem defendido a valorização do corpo natural. No seu consultório em Hampstead falámos de dietas, da relação corpo-mente, das novas feminilidades e masculinidades - e da angústia pela perfeição em ambos.

Depois de a ouvirmos criticar tão fortemente as indústrias de beleza e tudo o que fazemos ao nosso corpo - da ginástica ao que vestimos -, parece quase inevitável darmos por nós a imaginar várias vezes a forma como Susan Orbach se vai apresentar. Terapeuta, feminista e activista nascida em 1948, diz que se recusa a esconder a sua idade. Quando a encontramos à porta do seu consultório, que é também a sua casa em Hampstead, Londres ocidental, Susie Orbach tem um vestido colorido, justo no tronco, plissado na saia, e as unhas dos pés pintadas de cor-de-rosa - mas não usa maquilhagem.

Ela leva-nos pela escadas da casa de vários andares até à sala onde recebe os pacientes. É um espaço com janelas grandes, muita luz, uma estante de parede com livros e dois sofás pequenos onde cada uma se senta - o maior, supomos, é onde se estendem os pacientes. Com 45 minutos marcados ao segundo, não há muito espaço para conversa fora da entrevista num dia de Verão, altura em que normalmente as preocupações com o corpo disparam. De vez em quando fará longas pausas, mas no geral as respostas saem-lhe naturalmente estruturadas.

Especialista em anorexia e bulimia, a autora de Fat is a Feminist Issue (1978), O Que Querem as Mulheres (1983, edição portuguesa Sinais de Fogo, 2004), Hunger Strike (1987), A Impossibilidade de Sexo (1999, edição portuguesa Estrela Polar, 2006) ou Bodies (2009) ficou conhecida por ter tratado a princesa Diana de bulimia - mas a relação paciente-médico fica, obviamente, entre portas. Activista, criou o Women"s Therapy Centre em 1976 em Inglaterra e o Women"s Therapy Centre Institute, em Nova Iorque, vocacionados para a terapia de mulheres.

Esteve à frente de campanhas-evento como a recente Endangered Species, onde se aborda o facto de as mulheres odiarem cada vez mais os seus corpos e se tenta defender "o corpo natural". É consultora do Ministério da Igualdade britânico, esteve por trás da campanha da Dove que mostrava mulheres de todas as idades e corpos, tentando combater a imagem de perfeição espalhada pela publicidade.

Conseguiu recentemente que a campanha de um anúncio de maquilhagem que mostrava Julia Roberts com uma pele perfeita fosse banida no Reino Unido - por ser este tipo de imagens que gera ansiedade por uma perfeição que não existe.

No fundo, aquilo que Susie Orbach tenta dizer e mostrar em livros como Bodies, é que o que há anos era considerado disfuncional é hoje mais comum do que julgamos. Como diz nesta entrevista, chegou-se a um ponto em que "cada um tem de se produzir a si próprio como algo que é vendável". Se se tivesse que resumir num slogan o seu activismo, este talvez servisse: "Por um corpo imperfeito."

Quando vê um corpo, qual é a primeira coisa que procura?

O que faço aqui no consultório é diferente do que faço no mundo lá fora. Sou muito mais uma comentadora cultural na minha visão do mundo. E intriga-me sempre a ocidentalização do corpo. Com os pacientes, acho que estou a absorver a forma como eles estão no seu corpo, como o habitam.

Mas consegue ver imediatamente um corpo que está perturbado?

Nem sempre é claro. Porque há imensas camuflagens. E não tenho [visão] raio-X! Mas, no consultório, às vezes consigo sentir coisas no meu corpo que me alertam para a camuflagem do corpo da outra pessoa. Se sinto uma espécie de desconforto, perturbação, mal-estar, dor ou uma sensação de desligamento que não tinha antes de essa pessoa entrar, isso pode ser o resultado de uma comunicação de corpo para corpo - de algo sobre o estado desse corpo que me é enviado ou exportado, se quiser. Claro que enviamos sinais e comunicamos entre nós através do corpo a toda a hora, mas tem de se estar preparado para agarrar esses sinais.

Nos seus livros e intervenções públicas, tenta desmantelar as muitas pressões a que os nossos corpos são sujeitos - critica as indústrias dietéticas, da beleza, os ginásios... Mas como nos podemos tornar imunes a essas pressões?

Quanto mais inseguros nos sentirmos em relação ao nosso corpo, mais vulneráveis estamos. Se for ao ginásio e estiverem três mulheres com anorexia, pode sentir pena por elas, mas também se pode sentir ameaçada. Se não estiver bem, pode surgir o desejo de ser como elas. Qual é o agente antiviral? Acho que o agente antiviral é atrevermo-nos a ocupar o nosso corpo num espaço bom, independentemente dos problemas que esse corpo tiver. Se pensarmos nas nossas cabeças, tentamos viver nelas apesar dos conflitos, com as coisas de que gostamos e não gostamos, com aquilo que queremos saber sobre nós próprios e com aquilo que não queremos. Com o corpo não é assim tão diferente.

"O corpo torna-se um projecto pessoal." O seu livro desmonta esta palavra "pessoal", mostrando como ela é o resultado do social e cultural. Onde é que eu, como indivíduo, desenho a linha entre o pessoal e o social?

Somos todos indivíduos num cenário social e cada um gere-o à sua maneira. Alguns querem ser anticonformistas, outros acham que o isolamento é um preço demasiado alto a pagar. O que eu digo para mim é: não vou mudar o meu corpo. Não quero ser como aquelas mulheres de quem não se consegue dizer a idade porque não parecem ter idade nenhuma. Não significa que não pinte o cabelo... Cada um tem de fazer as suas próprias escolhas.

Alguma vez teve pacientes que estivessem bem com eles próprios, mas mal com o seu corpo?

Tive pessoas que não estavam bem com elas próprias, mas atribuíam isso ao seu corpo - isto é na verdade uma divisão falsa, mas pode-se fazê-la. E vejo pessoas que estão tão infelizes com o seu corpo que isso desestabiliza o resto da sua vida.

Em Bodies, diz que há uma guerra contra os corpos das mulheres. Quer explicar?

Não há nenhuma mulher imune - e eu não sou diferente. Abram-se os jornais, as revistas e há uma cultura visual que representa algumas mulheres icónicas - portanto há uma representação física - vezes e vezes sem conta. Depois há uma constante auto-representação de mulheres que precisam de estar no centro do consumo, olhar-se a si próprias, apresentarem-se de certa forma, fazer determinadas coisas, ter "este" emprego - como se o corpo e a pessoa fossem uma produção. Lêem-se os artigos sobre exercício físico, roupa, maquilhagem, juntam-se às imagens e é como se fosse um atentado porque o ponto de partida é sempre de que alguma coisa está errada: "Você precisa de mudar isto, e aspirar a isto e àquilo." Isto afecta mulheres de todas as classes sociais.

E como é que se chegou a esta pressão sobre as mulheres, ou ansiedade, como lhe chama?

Bom, isto é como o regime patriarcal (sistema dominado por homens), é representado num período neoliberal como o nosso. É uma cultura global e uma ideologia política e económica em que cada um tem de se produzir a si próprio como algo que é vendável, de alguma maneira ou de outra. Não se é mais uma parte a contribuir para um todo colectivo, e em que cada um coloca a sua individualidade nesse todo, mas sim alguém que consome isto e aquilo. E o corpo é apenas uma parte da reengenharia da noção de feminilidade, sob a ideia de que temos direito a tudo, que fazemos cirurgia cosmética porque merecemos, que devemos ter o corpo assim porque só se vive uma vez...

"O corpo tornou-se uma das exportações escondidas do Ocidente", escreve também em Bodies. O que há no corpo ocidental que o torne atraente?

Não sei se é atraente, mas as multinacionais têm orçamentos enormes para as campanhas de marketing e é isso que elas fazem. As indústrias como a da beleza são gigantes e fazem imenso dinheiro ao transplantar globalmente o imaginário local, oferecendo isso como porta de entrada à modernidade global. Como é que em Singapura as pessoas têm um nariz ocidental, ou na China quem tem dinheiro faz uma extensão das pernas? Isso vem da permeabilidade da cultura visual e da penetração dessas multinacionais.

No Brasil, agora valorizam-se os grandes peitos, quando antes eram os rabos. Estamos a perder os corpos locais como estamos a perder linguagens locais. É o mesmo.

Imagine que quero manter as especificidades locais do meu corpo. Como é que o faço sem me sentir deslocada?

Ah, mas a questão é: se transformo o meu corpo, será que fico com sentido de pertença ou continuo a sentir-me deslocada? A lição não será a de que as pessoas de facto nunca acabam por ter esse sentimento de pertença? De outra forma não continuariam a fazê-las (cirurgias, dietas, exercício, etc.) umas atrás das outras... Portanto o sentimento de pertença não está em ter o cabelo loiro esticado - pode dá-lo temporariamente, mas não dura. Talvez o sentimento de pertença tenha mais a ver com a ligação mais forte a um elo maior. Mas, sabe, sou antiquada...

Pegando na ideia de que tratamos os nossos corpos como objectos que podemos moldar, modificar, expandir, contrair: isto vem de onde, de um desejo de controlo?

Sim. É a ideia de que não se pode controlar outras coisas, mas pode-se controlar o apetite, mudar isto e aquilo no corpo, renegar o apetite desregulado. E fazer de si próprio algo que se admira: não fazer do corpo apenas um objecto para o mundo, mas também para si próprio.

E porque é que isso em vez de dar poder cria ansiedade?

Leiam-se as entrevistas e veja-se a quantidade de ansiedade, que não dá aquilo que é suposto dar.

E o que é que é suposto dar?

Um sentimento de segurança.

Como é que descreveria essas ansiedades?

Está ao nível de acordar de manhã e... qual é o primeiro pensamento? É sobre o dia que chega ou como está a barriga, o que comi na noite anterior, etc.?

Portanto tudo gira à volta de comida como descreve em Hunger Strike - sobre a anorexia?

Sim. A solução passa a ser não comer, ir ao ginásio, escolher o vestido... há toda uma conversa da pessoa com ela própria onde corre um texto crítico do corpo.

Mas está a descrever as situações mais extremas?

Nem pensar... Era bom. Aquilo que na verdade me levou a escrever Bodies foi isso...As coisas que a geração da minha filha, que está nos 20 anos, faz seriam consideradas tão extremas no meu tempo... Quando ela tinha 15 anos, as amigas não comiam ao dia de semana, só ao fim-de-semana, ou vomitavam e não achavam que houvesse alguma coisa de errado com isso...

Está a falar da normalização do que chamaria distúrbios alimentares?

Nenhuma delas veria as coisas assim, só algumas é que achavam que precisavam de fazer alguma coisa contra isso... Mas a maioria tinha aquilo que em diferentes momentos históricos seriam considerados problemas sérios.

Há alguma comparação entre os distúrbios que está a descrever e outros comportamentos compulsivos, adictivos?

Não gosto do modelo da adicção. Acho que há muitas coisas pelas quais somos tomados mas, seja usando drogas ou magoando-nos a nós próprios, a coisa continua lá e uma não apaga a outra.

Imagine que cura alguém de anorexia, há a probabilidade dessa pessoa depois transferir esse impulso para outra coisa?

Não usaria a palavra "cura". Se conseguirem encontrar uma forma, dentro deles próprios, de gerir os conflitos e as necessidades e o espaço entre essas duas coisas, terão mais resiliência no meio cultural e emocional em que vivem.

Diz que os terapeutas precisam de reconhecer que, tal como existe ansiedade emocional, também existe uma ansiedade do corpo. Qual é a diferença?

Faço a distinção porque quero chamar a atenção para algo a que é difícil ter atenção. A maioria dos terapeutas ainda acredita que a ansiedade do corpo é o resultado de um conflito mental, como se o corpo fosse apenas uma coisa que ali está e no qual se inscrevem coisas. Mas eu acho que o corpo tem a sua própria história emocional. Quando um corpo vem ao mundo, reflecte resiliência, ansiedade, hesitação, prazer, da mesma maneira que a mente. O corpo não é apenas um receptáculo.

Portanto não é sequer um espelho da mente, é isso?

Não, não. Foi isso que tentei explicar em Bodies, não chega dizer que o corpo serve a mente. Não quer dizer que isso não aconteça às vezes - posso ter uma dor aqui, que precisa de uma representação mental para ser compreendida. Mas um bebé que é agarrado de certa maneira vai sentir o seu corpo dessa maneira: ou seja, não vai apenas senti-lo emocionalmente mas também corporalmente.

Sendo assim, onde colocaria a relação corpo-mente?

Não tenho a certeza. Não acho que esteja numa posição para o fazer, mas há muita gente, nas neurociências, que está a tentar reformulá-la. Mas não estou tão interessada em resolver isso, interessa-me mais ver o que se passa. No projecto de investigação de que faço parte, estamos a olhar para a transmissão de corpo para corpo, entre crianças e mães e entre bebés e mães. E, se se olhar para isso apenas da perspectiva do que se passa na relação corpo a corpo, encontramos coisas muito interessantes.

Mas quer dizer que retira a interpretação dessa relação?

Não. É mais: não há um corpo, apenas corpos em relação uns com os outros. Assim como eu defendo que não há uma mente, mas que a mente é o resultado de relações. A sua mente está a ser transformada à medida que eu falo e vice-versa. E quando estou com o meu neto estou a moldá-lo como neto e ele a mim como avó - e estou a moldar também o seu corpo.

Além das indústrias viradas para o corpo - cosmética, dietas, exercício, etc. -, há toda uma indústria virada para a performance intelectual. As duas são diferentes?

Acho que ambas apelam ao mesmo desejo humano, que é o sentir-se bem, com abundância e com capacidade. E as coisas de ambas as indústrias são compradas pelas mesmas pessoas.

Hoje modificar o corpo é fácil. Acha que isto está a desafiar o binómio feminino e masculino? E se sim, de que formas é isso positivo?

Está. Bom, tem de perguntar à geração mais nova... Porque para mim é difícil celebrar a forma como os homens estão a tratar o seu corpo como as mulheres. Que os homens façam dieta, aumentem os peitoriais, estejam obcecados com barrigas lisas, maquilhagem, cremes...Porquê isso? Isso não está bem.

Por que é que não está bem?

Porque estão a fazer o mesmo trabalho no corpo que as mulheres faziam, que é mudarem-se a si próprios em vez de fazer coisas que podem mudar o mundo - quero dizer, isto é tão simplista, mas os problemas da masculinidade e feminilidade hoje são significativos. Os homens não sabem o que significa ser homem, as mulheres não sabem o que significa ser mulher. Estamos todos a tentar perceber isto, mas não acho que o consigamos usando cosmética ou indo ao ginásio. Acho que há muita coisa em causa: há hipermasculinidade e hiperfeminilidade, e há o desafio a isso por pessoas transgénero.

Quais diria que são as maiores ansiedades dos homens e mulheres em relação ao seu género?

Vejo um grupo de pessoas jovens, em terapia, que parece ter tudo no sítio, que tem uma série de coisas que atingiram, mas que sentem um buraco. É qualquer coisa que tem a ver com não saberem bem quem são ou onde se enquadram. A cultura do auto-aperfeiçoamento, da autofabricação deixa algumas pessoas sem a certeza de que as coisas que adquiram se devem, na verdade, a mérito próprio.

E como é que isso se traduz na feminilidade e masculinidade?

Porque a feminilidade se tornou numa projecção que significa que se tem o corpo perfeito, o trabalho perfeito, o isto e aquilo perfeito e liga-se porque feminilidade é uma carapaça, é performance e não uma experiência interior de se ser feminina. E acho que isso é verdade para a masculinidade: parece que tenho o trabalho perfeito, o carro perfeito, isto perfeito, mas não me sinto um homem suficientemente crescido.

E como é que os homens e as mulheres estão a responder às mudanças do outro?

Não tenho uma amostra suficientemente significativa. Das pessoas novas que conheço, algumas têm preocupações em relação ao seu género, outras não. Não acho que possa dizer alguma coisa agora.

Vê alguns sinais de que os papéis feminino e masculino estão a mudar?

De uma forma progressiva?

Estou a usar a palavra mudança de forma neutra.

Sinto que as mulheres hoje acham que têm de fazer tudo. Muitas das que têm crianças têm acesso a uma ligação emocional forte, mas ainda vejo muitas mulheres desiludidas com as suas relações. Não tenho a certeza de conseguir ter dados suficientes para dar uma resposta.

E o que quer dizer exactamente com "as mulheres acham que têm de fazer tudo"?

Muitas mulheres caíram na história, às vezes contada pelas mães que não tiveram acesso ao que elas têm, de que têm de se fazer ao mundo, produzir, ter o grande trabalho, o grande salário, estar bonitas, ter o namorado e filhos perfeitos... Isso é para mim a inversão do que é o feminismo. O feminismo lutou por: podemos ter tudo, mas não tudo ao mesmo tempo. Fizemos uma crítica do trabalho das 6h às 22h, não queríamos que os homens trabalhassem assim, porque raio as mulheres devem fazê-lo?

Fala também do sexo e das ansiedades que provoca nos homens - acha que nesse aspecto o sexo ainda é para os homens o que a gordura é para as mulheres?

Acho que é uma comparação justa.

Manifesta-se da mesma maneira?

Sim, podemos ver os homens que têm medo da intimidade e do sexo numa versão anoréctica, com a relutância e medo, e numa versão compulsiva, que oblitera, com a pornografia - pornografia não é propriamente sexo, é outra coisa.

Tratou a princesa Diana. É importante que as figuras públicas falem e partilhem os seus problemas?

É importante, mas não suficiente. Trabalhamos com a ministra para a Igualdade e temos uma campanha para aumentar a segurança em relação ao corpo, e tivemos uma deputada que conseguiu que um anúncio com a Julia Roberts fosse banido. Porque é tão transformado digitalmente que não tem qualquer relação com o que este produto poderia fazer pela pele. Estas coisas são importantes. E é importante ter campanhas na escola para tornar os miúdos literatos em media, estamos a trabalhar com o Governo e com um grupo para trabalhar com as escolas.

A comida está directamente ligada ao nosso corpo. Temos uma relação tão forte com ela: há pessoas que reagem fortemente a coisas de que não gostam, outras não comem ou comem imenso quando estão ansiosas... O que há na comida que gera esta relação, às vezes tão turbulenta?

Tem a ver com o nível mais básico. É a primeira expressão de amor, de cuidado e alimentação, quer se tenha ou não sido amamentado, quer o tenhamos imaginado ou acontecido realmente. Por isso a forma como nos experienciamos a nós próprios ao nível mais básico é qualquer coisa que está relacionada com a fome e com o facto de essa fome ter sido mais ou menos satisfeita. Se aquilo que associamos é ansiedade ou agitação, isso vai determinar a relação que temos com a nossa dimensão física, incluindo aquilo que comemos. Basta observar as mães a alimentar os seus filhos. Veja-se os miúdos de um ano: como é que a mãe lhe dá a comida, enfia-lhe pela boca, deixa a criança explorar, fala com ela enquanto lhe dá comida, o que faz? Justamente ali vê-se algo que se torna mais complexo e elaborado. Um bebé que chora porque se sente triste e a quem é dado de comer vai ficar confuso porque pensa: "Não me é permitido digerir a minha tristeza, tenho de comer..."

jgh@publico.pt

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