Os corpos que voam no adeus a Paredes de Coura

Foto
Houve muito mosh no fecho do festival com os Death From Above 1979 Paulo Pimenta

É um dos milagres desta edição de Paredes de Coura: os Death From Above 1979, ilustres desconhecidos em 2005, aquando da primeira passagem pelo festival, transformados em estrelas rock e com arsenal de festa suficiente para fechar a noite no palco principal em 2011.

Há algo de estranho em ver um concerto de uma banda extinta pouco depois de lançar o seu único longa-duração de originais, You"re a Woman, I"m a Machine (2004), e que regressa, cinco anos depois, sem muito mais para mostrar. Para juntar estranheza, adquire um estatuto muito maior ao que tinha quando, neste mesmo sítio, tocaram para muito menos pessoas.

Mas estranho não é necessariamente mau. Até porque foi feita justiça: os Death From Above 1979 voltaram a lembrar que são uma máquina de ritmo, algures entre a força rock de uns Queens of the Stone Age (as frases de baixo, distorcido ao ponto de soar a uma guitarra, entre o sexy e o bruto) e a euforia do dance-punk da primeira metade da década de 2000. Com o dito baixo e um baterista-vocalista hiperactivo, o duo canadiano convocou a energia sub-30 que havia em Paredes de Coura para uma sessão de mosh, corpos a esvoaçar sobre a multidão apertada e suor, suor e mais suor (outro milagre neste festival propício a imprevistos climatéricos: o calor constante).

A noite de sábado foi rica neste tipo de manifestações colectivas de pancadaria benigna, que começaram logo com os portugueses Linda Martini, caso sério de culto, num final de tarde concorrido. Abriram com o colosso pós-rock Este Mar, que já soa como clássico mesmo que só tenha seis anos de vida, atiraram-se a Amor Combate, entoada como um hino (merecido), e a outro candidato a hino, Juventude Sónica, do disco mais recente (o verso viciante "Parecemos putos, não temos aulas amanhã!" fica muito bem num festival de Verão). Um cartaz dirigido à baixista rezava assim: "Cláudia, és linda. Dá-me a tua alma."

Ainda no capítulo mosh, os No Age mostraram que mereciam estar no palco principal. Mas talvez o concerto tenha feito mais sentido assim, no aperto do palco secundário, a versão possível num festival de Verão dos bares exíguos de Los Angeles onde a música do duo germinou. Um rapaz com T-shirt às riscas e bigodinho mostrou-lhes um cartaz improvisado numa embalagem de um alimento do qual não nos lembrámos, onde desenhou o logótipo dos deuses punk Black Flag e as palavras "No Age". Uma homenagem muito acertada: com apenas uma guitarra e uma bateria, os No Age ofereceram uma aula prática de punk e de rock independente filho do punk.

A revolta dos aborrecidos

Os alunos na assistência apreciaram a euforia eléctrica de canções como Fever Dreaming, esventrada pelo feedback, e a mais velhinha Everybody"s Down, que podia ser um hino para mais uma geração de aborrecidos. É a mesma geração que nos deu Kurt Vile. É dono de impecáveis canções, mas a transição para o palco não resultou em mais do que um concerto simpático, vítima de uma voz algo inconstante e alguns enganos. Como os Deerhunter, na noite anterior, não deu um mau concerto, mas não fez justiça à óptima matéria original.

No palco principal, os Two Door Cinema Club mostraram ser uma competentíssima banda do indie que funciona em anúncios publicitários, aqui e ali a lembrar os Vampire Weekend (caso da "canção de Verão" Something Good Can Work). Já os Mogwai pareceram um erro de casting: com um concerto longo, voltado para os últimos trabalhos, a quilómetros dos arrepios instrumentais de outrora, não terão saído de Paredes de Coura com mais adeptos do que os já convertidos.

Sugerir correcção
Comentar