Gabriel Abrantes à procura de outra nação

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Gabriel Abrantes MIGUEL MANSO

"É preciso uma nova arte, para o novo mundo do futuro", diz. Retrato do artista enquanto jovem e com retrospectiva em Veneza. Vasco Câmara

Liberdade

Festival de Locarno

secção Leopardos de Amanhã, até dia 13

Palácios de Pena

Festival de Veneza

de 31 de Agosto a 10 de Setembro, secção Horizontes

Liberdade, History of Mutual Respect, Visionary Iraq, Olympia

Festival de Veneza, circuito "off"

Retrato do artista enquanto jovem: "History of Mutual Respect" acabou de ganhar o prémio de melhor filme experimental no Melbourne INT"L Film Festival, "Palácios de Pena" estará, em Setembro, no Festival de Veneza, secção Horizontes (competição de médias metragens), e no circuito "off" desse festival haverá um "focus on Gabriel Abrantes" - eis o artista de que falamos - com um programa, "Liberdade", "History of Mutual Respect", "Visionary Iraq", "Olympia", comissariado por Geraldine Gomez, do festival multidisciplinar "Hors Pistes", Centro Pompidou, Paris.

Olhamos para "Palácios de Pena", co-realizado por Daniel Schmidt (uma avó, duas netas, a transmissão da herança de opressão de um velho regime, sonhos-desejos de Inquisição), recordamos "Liberdade", co-realizado por Benjamim Crotty (filmado em Luanda, o romance impossível entre um negro e uma chinesa): de um lado, a ironia, a acidez, a claustrofóbica languidez, vozes dobradas e sussurradas, artificialismo feroz; de outro, o quebrar da barreira de ironia, como se Gabriel fingisse acreditar, na doçura, no romance, no classicismo, numa "dream factory" mais naturalista.

"Sim", concorda. "Tenho maior capacidade de ser crítico em relação à Europa e à América, que conheço, do que em relação a Angola, que não conheço, e por isso acredito mais. No "Liberdade" estou a tentar encenar uma inocência qualquer, o que, na verdade, é mais perverso do que ser inocente." Explica que foi a Luanda porque aí se poderia encenar uma relação já sem "o império americano e europeu", como "um contraponto", um novo "birth of a nation" - que ele, nascido em Chapel Hill, Carolina do Norte, E.U.A., em 1984, fale em português e em inglês, não é mais do que a natural afirmação de uma identidade "flutuante", que ultrapassou nacionalismos. As curtas-metragens de Abrantes & Companhia trabalham, aliás, sobre o estertor de um império, de um imaginário, de uma narrativa - Hollywood, tal como afirmada no "Birth of a Nation" de Griffith -, esticando os limites desses restos, à beira da crispação, a sensualidade da rapina. Fazendo de forma artesanal o que são procedimentos de indústria. Para ir à procura do nascimento de outra nação. Por isso Gabriel, em futuro filme, há-de ir a Port-au-Prince, no Haiti, filmar, armado com o imaginário de "screwball comedies" como "Bringing Up Baby" (1938), de Howard Hawks, ou "The Lady Eve" (1941), de Preston Sturges, o nascimento de uma nova estrutura familiar a partir das ruínas. "É preciso uma nova arte, para o novo mundo do futuro", diz.

Pensando na avó e nas netas de "Palácios de Pena", ou nos jovens em busca da mestiçagem perfeita, mas acabando por abrir novo círculo de escravatura, em "History of Mutual Respect", ou das famílias de "Visionary Iraq"... "Todos os meus filmes atacam o estereótipo do que é estabelecido como moralmente correcto pelo amor familiar. As raparigas de "Palácios da Pena" não têm nenhuma culpa, mas afinal têm toda a culpa porque fazem parte de uma família e nessa família há uma avó que sonha, que deseja ser inquisidora. Interessou-me essa "cultura de liceu", a puberdade, o poder do corpo: as raparigas começam a usar o sexo como jogo de poder, como metáfora e continuação dos jogos de poder da avó."

A família como espaço de opressão. E Portugal? "Portugal faz parte de um grupo de nações que governa o mundo há milhares de anos. Idealmente, deveria haver a redistribuição desse poder. A Europa e a América ainda fazem o resto do mundo viver. A crise global pode precipitar o desaparecimento disso."

Gabriel Abrantes diz não ter respeito pelo culto autoral, pela ideia de uma obra como "expressão pura" de um "autor". "É tudo sempre mediatizado pelo contexto, daqui a uns anos estes filmes vão ser lidos como retratos de uma situação concreta". A assinatura conjunta dos filmes, repara, é a expressão dessa crença no trabalho de grupo e na circulação de ideias. "O direito de autor é uma invenção comercial. Vejo-me, antes, como porta-voz de qualquer coisa, do ainda não criado." Convoca Andy Warhol. E saca de James Joyce e do "A Portrait of an artist as a young man": "Welcome, O life! I go to encounter for the millionth time the reality of experience and to forget in the smithy of my soul the uncreated conscience of my race..."

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