"Sou activista LGBT e sê-lo na Moldávia é perigoso"

Tradutor e intérprete, de 24 anos, Artiom Zavadivschi ganhou coragem para revelar a sua orientação sexual quando estava a estudar nos Estados Unidos. A mãe reagiu mal, hoje teme pela sua segurança

Fui vítima de bullying. Aos meus colegas de escola fazia impressão que eu não gostasse de desporto e preferisse socializar com raparigas. Chamavam-me "rapariga", chamavam-me "azul", que é a expressão russa para gay. Sentia-me sozinho. Não tinha com quem partilhar sentimentos. Nasci há 24 anos numa típica família soviética. Balti, no Norte da Moldávia, era então um pólo industrial. Os meus pais foram educados no ateísmo, tiveram uma formação técnica, arranjaram trabalho numa fábrica, tiveram dois filhos - eu, o terceiro, não fui planeado.

Não tive uma educação religiosa. Não senti qualquer pressão desse tipo, mas senti muita pressão social para encaixar num certo modelo. Na República da Moldávia, diz-se ainda que a homossexualidade é uma desordem psiquiátrica e isso é ensinado nos cursos de Medicina.

Percebi cedo que as raparigas não me atraíam. A atitude social fez-me entrar em conflito comigo. Já na adolescência, queria saber mais. Via televisão e lia jornais em busca de informação. Encontrava pouca. E a pouca que encontrava era negativa.

Aos 14 anos, comecei a ir à Internet procurar pessoas como eu na minha cidade ou noutras partes do país. Tinha 18 anos quando digitei num motor de busca: "gay + Moldávia". Apareceu uma organização de defesa de direitos de lésbicas, gays, bissexuais e trangéneros (LGBT): a Genderdoc-M. Havia grupos de apoio, só que não em Balti.

No fim do ensino secundário, mudei-me para a capital, Chisinau. Ainda não tinha saído do armário e não queria ter vida dupla. Não me perguntavam: "Tens namorada?" Lá em casa, somos todos muito fechados. Não fazemos perguntas pessoais. Nunca falamos de sentimentos. Mas não queria mentir, se me perguntassem: "Onde estiveste? Onde ficaste esta noite?"

Matriculei-me num curso de Línguas. Tornei-me voluntário da Genderdoc-M. Era uma forma de socializar, de ajudar outros, de me ajudar também. Os meus colegas de curso e de apartamento sabiam que fazia voluntariado, não sabiam onde. Ia a casa uma vez por mês. A minha mãe não fazia perguntas.

Ganhei uma bolsa para estudar um ano nos Estados Unidos. Foi uma experiência reveladora. Acolheu-me uma mulher solteira com uma filha. Logo no primeiro dia, ela disse-me: "Tenho uma prima lésbica." Cinco meses depois, saí do armário. A reacção dela foi agradável. E eu escrevi um email à minha melhor amiga a contar. Ela chorou. Percebi que não podia esconder mais. Estava pronto para a minha família me rejeitar, me deserdar, o que fosse.

Contei à minha irmã. "E depois?", reagiu ela, como se nada fosse. Fiquei em choque. Tinha passado 21 anos escondido. Era um alívio poder falar com ela sobre aquilo. Comecei a pensar na melhor forma de contar à nossa mãe - o meu pai morreu, quando eu tinha seis anos. Andei uns seis meses a pensar. Até que, um dia, a minha irmã disse-me que, na minha ausência, a nossa mãe encontrara os meus diários e que os lera. Então, ela já sabia! Fui falar com ela. Foi horrível. Ela caiu-me em cima com todos os estereótipos.

- Tu ultrapassas isso...

- Isto não é uma febre, que vem e que passa.

- Vais ter um namorado?

- Sim, se me apaixonar.

- E como é que devo chamar-lhe?

- Namorado ou marido.

- Se arranjas um, suicido-me.

Fiquei zangado. Tentei falar a sério com ela, ela não quis. Pedi à minha irmã que mediasse o conflito.

A Genderdoc-M tem um grupo de apoio para familiares. A cada quatro meses, há retiros destinados a facilitar o processo de aceitação da orientação sexual do filho, irmão ou primo. Convidei a minha mãe para ir a um, ela recusou. A minha irmã foi: levou a revolução para o grupo. Muitos pais aceitavam os filhos, mas ainda choravam ao lembrarem-se do momento em que eles tinham saído do armário. A minha irmã não chorava...

A minha mãe mudou de atitude num retiro desses. Percebeu que não era a única mãe na Moldávia a viver aquilo. Não só me aceitou, como me entendeu. Agora, está apenas preocupada com a minha segurança, porque sou activista LGBT e sê-lo na Moldávia é perigoso.

No ano passado, no último ano de curso, revelei a minha orientação sexual aos meus colegas. Tinha uma professora que levava temas fracturantes para debater na aula. Um dia, quis que discutíssemos a homossexualidade. Os meus colegas disseram muitas coisas estúpidas. Estavam a falar de mim e eu a ouvi-los. Um deles disse que ser gay era uma moda. Não aguentei mais: "Vamos lá! Se nasci gay, não foi porque escolhi seguir uma moda. Não escolhi ser gay para ser insultado. Porque escolheria isso para mim?" As pessoas dizem coisas e... não pensam que ao lado delas pode estar um gay, alguém que fica com medo.

Neste país, há pessoas que estão em jardins ou restaurantes e chamam a polícia só porque vêem um casal gay sentado de forma romântica. E a polícia, às vezes, põe-se ao lado delas e humilha o casal. Muitos têm medo de defender os seus direitos, preferem pagar à polícia para ninguém saber.

Há dois anos, estava com o meu namorado da altura num parque. Estávamos sentados, de mãos dadas. O polícia que fazia a ronda aproximou-se e pediu-nos a identificação. Estavam lá outros casais, heterossexuais. Com esses não falou. Eu sabia quais eram os meus direitos, mas o meu namorado ainda não tinha saído do armário e ficou cheio de medo.

Nem gosto de me lembrar. O polícia disse-nos que ser gay era mau e que se quisesse criava-nos problemas, fazendo chegar a informação à nossa família ou ao nosso local de trabalho. Eu disse-lhe: "Isso não funciona comigo!" O meu namorado estava muito assustado, deu-lhe 200 lei - uns 14 euros. Era isso que o polícia queria, claro. Recebeu o dinheiro e disse-lhe para esperar três dias. Se nada acontecesse naqueles três dias, destruiria a informação. Levei o caso à Genderdoc-M. Fomos à polícia. Fizeram uma investigação interna. Arquivaram o processo por "falta de corpo do crime".

Acredito que esta realidade muda de cima para baixo. Acredito que tudo começa nos políticos. Sei, todavia, que perde votos instantaneamente todo aquele que se puser para aí a defender os direitos LGBT. A lei antidiscriminação, que a União Europeia está a impor, é importante. Na Moldávia, não há uma lei a dizer o que é discriminação, nem quais as consequências para quem discrimina. Se és vítima de discriminação e te vais queixar, podem dizer-te: "Não sei o que é discriminação." E só te resta ir ao Tribunal Europeu dos Direitos Humanos.

Há muito trabalho para fazer aqui. Só dois por cento da população tolera homossexuais. E as pessoas LGBT não estão motivadas para defender os seus próprios direitos. Às vezes, parece que sou invisível. Não sei. É muito, muito triste. Faço alguma coisa e sinto que a faço só por mim, embora as faça por todos. Ana Cristina Pereira

A partir de uma entrevista com o activista

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