A Moldávia está trancada no armário
A União Europeia está a obrigar a República da Moldávia a aprovar uma lei antidiscriminação. A dificuldade do país em aceitar orientações sexuais diferentes é que trava o processo
Há muito verde dentro de Chisinau. E, às vezes, moldavos caminham entre ele, lado a lado, de mãos dadas. O parque central nunca dorme. Foi ali que, em Dezembro, um rapaz e o namorado foram abordados por dois polícias. Com rudeza, terão ameaçado levá-los para a esquadra e revelar a sua orientação sexual a familiares e empregadores. Um activista tê-los-á convencido a deixar o casal em paz. Horas depois do incidente, o rapaz foi a uma cabine e ligou à mãe a dizer que era gay. Depois, regressou a casa da tia, onde morava, e enforcou-se.
A história tornou-se uma bandeira dos direitos de lésbicas, gays, bissexuais e trangéneros (LGBT) num país que legalizou as relações entre adultos do mesmo sexo em 1995 e que ainda não aprendeu a lidar com elas. Só por pressão da União Europeia (UE) poderá aprovar uma lei antidiscriminação: a Política de Vizinhança faz-se de exigências e recompensas e esta lei é uma das condições impostas para liberalizar os vistos de entrada no espaço comunitário.
Vitalie Marian, director executivo da Aliança Moldava para a Protecção das Famílias, integra o coro de vozes que se levanta contra a lei. "Nem tudo o que vem da Europa deve ser introduzido aqui", defende o homem baixo, magro, numa sala do Hotel Jolly Alon, no centro de Chisinau, frente a uma dúzia de jornalistas oriundos de outros tantos países da UE. "A República da Moldávia é um país cristão e a homossexualidade é um pecado, uma afronta a Deus."
O ar de estranheza não tarda a desvanecer-se em cada rosto. O discurso de Marian é semelhante ao que já se ouviu ou ainda se ouve noutros países. "Começam com a lei antidiscriminação e vão até ao casamento, à adopção. Isto é uma ameaça à família. Na UE, ensinam que uma mulher e uma mulher são família, que um homem e um homem são família!"
Dias antes - no quadro de um seminário organizado pelo European Journalism Center - o grupo de jornalistas estivera em Bruxelas com Viorel Ursu, analista político da Fundação Eastern Europe Open Society. E fora alertado para a profusão de discursos como aquele num país que, havia um ano, se julgava imune à discriminação. Ursu fê-lo citando um estudo de percepções da população sobre discriminação, realizado pela Fundação Soros-Moldávia, no último Outono: a aceitação social da homossexualidade é de dois por cento; dois terços dos moldavos acham que os homossexuais são devassos, imorais, perversos e doentes; cerca de metade acredita que têm VIH.
Religião e sexo
O estudo sociológico mostra que os moldavos, afinal, discriminam. Discriminam, sobretudo, deficientes físicos ou mentais, pobres, portadoras de VIH, homossexuais, ciganos, mulheres. E, embora dois terços considerem isso um problema importante, estão muito mais preocupados com o desemprego, o aumento do custo de vida, o fraco desenvolvimento económico, as baixas pensões, o reduzido acesso aos serviços de saúde, a escassez de infra-estruturas, a instabilidade política, o baixo acesso à educação.A Moldávia tem algumas disposições legais a proibir a discriminação explícita. "Não chega", têm apregoado activistas locais. Alguns deles, assessorados por peritos da Organização para a Segurança e Cooperação na Europa, entregaram em 2008 um primeiro esboço de lei antidiscriminação ao Ministério da Justiça. Em 2009, o Governo elaborou o primeiro projecto-lei, mas ignorou os contributos da aliança de não-discriminação, que soma cerca de uma dezena de associações. Em Agosto de 2010, o ministério iniciou uma nova ronda. Só em Fevereiro passado o Governo aprovou um novo texto e o submeteu à Assembleia da República.
O debate esgotou-se na orientação sexual, como se nenhuma outra forma de discriminação fizesse parte da proposta. "A Moldávia vem de um contexto de não-discurso sobre sexo", esclarece Antonita Fanari, secretária-geral do Conselho de ONG da Moldávia, sentada ao lado de Marian, mexendo muito as mãos com as unhas pintadas de cores diferentes. "A normalidade sexual é estipulada pelo contexto religioso. A maior parte da população é ortodoxa." A culpa, avalia a activista, é também de quem decide os destinos do país: "O Governo não passou informação suficiente à população. As pessoas, até os membros do Parlamento, não conhecem bem a proposta."
A forte contestação de grupos religiosos e de defesa da família tradicional infiltrou-se na Assembleia, constituída por deputados do Partido Comunista e da frente pró-Europa que formou o Governo em exercício - Partido Liberal Democrático (LDP), Partido Democrático da Moldávia (PDM), Partido Liberal (PL). A anteceder as eleições locais de 5 de Junho, o executivo retirou a proposta do Parlamento. "Nos períodos eleitorais, a temperatura sobe muito, não há racionalidade", justificara, na véspera, o primeiro-ministro, Vlad Filat, numa curta conversa que tivera com os jornalistas, na sala de reuniões do edifício do Governo. "Vamos apresentá-la num pacote legislativo [na área da Justiça]. Isto será uma forma de reconfirmar o voto no Governo."
Como qualquer parceiro na Política de Vizinhança Europeia, a Moldávia tem um plano de reformas que a aproxima da UE. Num país que balança muito entre a União e a Federação Russa, há quem acuse os 27 de imporem o seu ponto de vista. Filat não parece ver inconveniente. Esse caminho afigura-se-lhe natural. Para haver relações comerciais, exemplificara, os produtos moldavos têm de respeitar os standards europeus. Para haver liberalização de vistos, as leis têm de estar conforme a Declaração Europeia de Direitos Humanos. "O objectivo final é entrar na UE", admitira. "Não temos um calendário. Temos objectivos claros. Quando levarmos a cabo o plano nacional, estaremos prontos para apresentar a candidatura."
O P2 viajou com uma bolsa do European Journalism Center