O manifesto de Anders Breivik, que é um manual de instruções para ataques
O extremista queria evitar a destruição da Europa pelos muçulmanos. Revela como conseguiu dinheiro, armas e explosivos, relatando o percurso de um "lobo solitário", o pesadelo dos serviços de segurança
"Se por alguma razão sobreviveres, vais ser detido. Nesse momento começa a fase da propaganda", dizia Anders Behring Breivik no seu manifesto ideológico, que é também um manual de instruções para o terrorista solitário, colocado na Internet no dia em que matou 93 pessoas, com uma bomba em Oslo e um ataque a tiro numa ilha perto.
A autoria do documento "Uma declaração europeia de independência - 2083" já foi confirmada pela polícia (o autor não explica a escolha de 2083, mas a CNN lembra que é quando passam dois séculos sobre a morte de Karl Marx). Em mais de 1500 páginas, Breivik escreve sobre a base ideológica para o ataque (o perigo de islamização da Europa, sobretudo, que deve ser combatido com ataques aos "multiculturalistas" e "marxistas culturais", com várias alusões a cruzados e templários), dá instruções detalhadas sobre como planificar e levar a cabo uma acção, com os mais ínfimos detalhes (de como conseguir o máximo de cartões de crédito e arranjar um pretexto credível para adquirir dinamite e fertilizantes) e inclui ainda um diário com os altos e baixos da operação (sucessos e falhanços no fabrico de explosivos, a tentativa de comprar armas no mercado negro).
Parte do documento, escrevia o jornal norueguês VD, é inspirada no manifesto do Unabomber Ted Kaczynski. Mas o que é mais impressionante no relato, se for verídico, é que mostra como foi possível a Breivik concretizar o pesadelo das agências de segurança: um "lobo solitário" que, agindo sozinho, passa pelas malhas das autoridades, avança nas várias fases de preparação de um ataque sem ser detectado pelo radar de ameaças... e consegue concretizá-lo.
Na audiência de hoje em tribunal, Anders Behring Breivik irá iniciar a fase de propaganda; esta já tinha, no entanto, começado a ser preparada. Ele mesmo explica como o fez, na forma de conselhos a quem quiser seguir um caminho semelhante: "Vais ficar na História como um dos mais influentes indivíduos da tua época. Tens de estar no teu melhor e ter a certeza de que produzes material de qualidade antes da operação", diz, especialmente fotografias, que devem ser precedidas de idas ao solário e barbeiro, enumera, aconselhando mesmo um pouco de maquilhagem. Mais: "Explica o que fizeste num anúncio distribuído antes da operação e assegura-te de que toda a gente percebe que nós, os povos livres da Europa, vamos atacar uma e outra vez". O manifesto de Breivik foi posto on-line no dia do ataque.
Quanto ao julgamento, "o objectivo não é ganhar, mas sim apresentar todas as provas favoráveis à nossa causa para gerar um máximo de simpatizantes e apoiantes para o movimento de resistência europeu ou nacional", explicou.
"Executar os traidores"
O descontentamento de Breivik começou com o envolvimento da Noruega "nos ataques à Sérvia - tudo o que eles [sérvios] queriam era afastar o islão deportando os muçulmanos albaneses para a Albânia". Outro momento marcante foi "o modo cobarde como o Governo [norueguês] lidou com a questão dos cartoons de Maomé". Há cerca de dez anos, "apercebi-me de que a luta democrática contra a islamização da Europa tinha acabado", considerou. "Iriam ser necessários apenas 50 a 70 anos antes que nós, europeus, fôssemos uma minoria. Resolvi procurar formas alternativas de oposição. Protesto é dizer que se discorda. Resistência é dizer que se vai pôr fim a isso. Decidi que queria entrar no movimento de resistência".
No manifesto, o autor Andrew Berwick, versão anglicizada do nome de Anders Breivik, mistura citações de Mark Twain, Winston Churchill ou de comentadores actuais como John Esposito (Universidade de Georgetown) ou Timothy Garton Ash (Universidade de Oxford), em textos cheios de dados e notas de rodapé para justificar a sua visão do mundo. Breivik apresenta-se sobretudo como um cavaleiro templário, mas chega mesmo a identificar-se com o chefe nativo americano Touro Sentado, o combatente contra os colonizadores que pretendem aniquilar os indígenas (no caso, os muçulmanos que destruiriam o carácter europeu).
Fala de "nove anos de preparação" do seu projecto, que envolve o documento e os ataques. O nível de detalhes das instruções que deixa é impressionante: desde como obter o máximo de cartões de crédito (no seu caso, dez cartões, conseguindo um total de 26 mil euros), até como comprar armas e explosivos e testá-los, como dividir a operação em fases para não levantar suspeitas, passando pela dieta ideal para ficar em forma física, o uso de esteróides anabolizantes, e detalhando a carga máxima de armas a levar para uma acção. Há ainda sugestões de música nacionalista "de qualidade" para manter o moral (para quem não goste de heavy metal).
Também fala da escolha de alvos: não devem ser os muçulmanos ou a extrema-esquerda, mas sim "o regime". Os muçulmanos devem ser considerados "animais selvagens". "Não culpem os animais, mas sim os traidores multiculturalistas que os deixaram entrar nas nossas terras e continuam a deixar."
Há detalhes sobre todo o percurso destes ataques, incluindo sobre a compra de uma arma, em Setembro de 2010: "Pedi uma semiautomática Ruger Mini 14, a arma mais parecida com as do Exército autorizada na Noruega. No formulário coloquei: "Caça ao veado". Teria sido tentador escrever a verdade: "Executar traidores de categoria A e B marxistas/multiculturalistas só para ver a reacção deles :p [sinal gráfico que indica uma careta com a língua de fora]"".
A 13 de Junho, testava a bomba: "Preparei um engenho de teste e fui até a um local muito isolado. Acendi o rastilho, afastei-me e esperei. Foram os dez segundos mais longos por que passei. BOOM! A denotação foi um êxito!!! :-)", escreveu a 13 de Junho.
A parte do diário acaba assim: "O velho ditado "se queres alguma coisa feita, fá-la tu mesmo" é tão relevante hoje como no passado. Em muitos casos, podes fazer tudo tu próprio, apenas leva um pouco mais de tempo". E termina: "Acho que esta é a minha última entrada. É sexta-feira, 22 de Julho, 12h51." Maria João Guimarães