Oslo prometenão ceder ao medo após ataques que mataram 92 pessoas
O norueguês suspeito já confessou a autoria dos ataques, afirmando que foram acções "monstruosas" mas "necessárias". O país da segurança e transparência garante que vai continuar a ser uma sociedade aberta
A Noruega tentava ontem recompor-se do duplo choque que sofreu, não só por ter sido vítima de dois ataques que causaram pelo menos 92 mortos, um à bomba em Oslo e um a tiro numa ilha perto, como pelo facto de o autor ser um "norueguês de gema", com ligações ou inspiração na extrema-direita.
Ontem, o suspeito, nomeado pelos media como Anders Behring Breivik, confessou a autoria dos atentados depois de ser interrogado pela polícia. O seu advogado veio dizer, à hora do fecho desta edição, que Breivik tinha considerado que as duas acções tinham sido "monstruosas" mas "necessárias".
O advogado de defesa, Geir Lippestad, acrescentou que o seu cliente estava disposto a explicar-se numa audiência em tribunal marcada para segunda-feira. Já quando tinha sido detido na ilha, depois da chegada da polícia, o suspeito não tentou disparar um tiro contra os agentes nem tentou suicidar-se: disse, sim, que se queria "explicar".
Apesar da confissão, ainda havia muito por esclarecer, em particular se o atacante agiu sozinho ou com a ajuda de um cúmplice. Caso tenha sido uma acção solitária, este será um dos mais sangrentos ataques a tiro cometidos por uma só pessoa no mundo.
A polícia estava a investigar a possibilidade de um cúmplice, mas optou por uma expressão ambígua, não "confirmando nem desmentindo" que possa ter existido um segundo atacante.
Antes tinha sido detido um jovem com um canivete no bolso, num local onde estavam reunidos alguns sobreviventes do massacre na ilha de Utoya, e onde o primeiro-ministro norueguês, Jens Stoltenberg, tinha acabado de chegar. O jovem explicou ser um membro da juventude trabalhista, a mesma que tinha sido atacada no dia anterior, e que apenas andava com o canivete no bolso porque não se sentia seguro.
A busca por sobreviventes
A polícia procurou ainda durante todo o dia de ontem corpos ou sobreviventes na ilha, usando até um minisubmarino para pesquisar as águas, já que o atirador disparou sobre muitos dos que tentaram fugir a nado.Na ilha, onde decorria um encontro de jovens do Partido Trabalhista, no poder, morreram pelo menos 85 pessoas. Ao final do dia, mesmo após as buscas, estavam ainda desaparecidas "quatro ou cinco" pessoas.
"Não sabemos quantas pessoas estavam na ilha, temos que continuar à procura", disse o inspector Bjorn Erik Sem-Jacobsen. As autoridades alertaram já para a possibilidade de o número de mortos poder vir a aumentar, falando de um possível total de 98 vítimas mortais.
Antes dos disparos na ilha, uma bomba de grande potência colocada num carro tinha rebentado no centro de Oslo - e Breivik fora visto no local pouco antes da explosão. A polícia dizia ontem acreditar que ainda poderia haver pessoas presas nos escombros, mas o edifício de 17 andares, onde fica o gabinete do primeiro-ministro, foi declarado demasiado inseguro para buscas já que haveria explosivos não detonados.
A polícia garante que se o suspeito pertencesse a um dos grupos neonazis noruegueses, teria aparecido no radar das autoridades. Mas Breivik vinha a expressar opiniões de extrema-direita em fóruns da Internet, e surgiu entretanto um vídeo no YouTube com imagens de um homem parecido com o atacante usando uniformes militares e apontando uma arma. O vídeo (entretanto retirado) pretende promover uma luta não só contra "marxistas, humanistas suicidas, e capitalistas globalistas", mas também contra a "colonização islâmica" da Europa, e apela a quem vê que se torne um membro da "resistência", juntando-se à "revolução infiel".
O local mais seguro
Nas ruas de Oslo, reinava ontem um silêncio desconfortável e alguma incredulidade. "Ainda não consigo acreditar. A Noruega é o lugar mais seguro e pacífico no mundo", dizia Beate Karlsen, de 39 anos, à Reuters, perto do local da explosão. "Ou era... Talvez a Noruega não seja tão segura e inocente quanto pensávamos.""O primeiro choque foi o ataque. 99 por cento dos noruegueses pensaram que era um ataque terrorista islâmico", comentava Helge Saxeide, um homem de 40 anos, numa loja de apostas na capital. "Quando se soube que não era, esse foi o segundo choque."
O primeiro-ministro Jens Stoltenberg recebeu, junto com a família real, vários familiares das vítimas e sobreviventes dos ataques, num hotel da capital, na típica maneira norueguesa: informal e aberta. Este é o país onde os políticos são vistos a andar de bicicleta ou metro sem medidas de segurança (o primeiro-ministro, no entanto, tem algumas desde o assassínio da ministra sueca Anna Lindh) e a família real anda também livremente (o pai do actual rei usava mesmo o comboio para ir de férias).
"O mundo inteiro está a pensar neles", disse Stoltenberg, com a voz tremendo de emoção, falando das vítimas, descreve a Reuters. Após o encontro, o rei Harald declarou: "É muito importante mantermo-nos juntos, apoiarmo-nos e não deixarmos que o medo nos conquiste."
Opiniões na mesma linha tinham sido escritas na imprensa imediatamente após os ataques: "Não devemos deixar que o medo paralise a nossa capacidade de pensar claramente e com sensatez", escreveu o director do diário Afenbladet, Harald Stanghelle. "Temos de evitar ficar dominados pelo medo, como os EUA depois do 11 de Setembro", considerou por sua vez Lars Halle, o director do diário Dagbladet. "Em vez disso, temos de olhar para Espanha e Inglaterra e ver como as pessoas destas nações recuperaram a sua liberdade depois dos horríveis atentados terroristas de 2004 e 2005."
Ainda é cedo para saber como o ataque vai mudar o país, afirmou o chefe de Governo. "Mas acho que conseguiremos manter algumas das coisas mais importantes da sociedade norueguesa - somos uma sociedade aberta, democrática, em que há uma relação muito próxima entre as pessoas e os políticos".
"O Governo foi atacado, a liberdade de associação foi atacada, o espírito da juventude foi atacado", reagiu o ministro dos Negócios Estrangeiros, Jonas Gahr Störe. "Mas nós vamos contra-atacar e dizer que estes são valores que nos são caros. Pretendemos defendê-los e a Noruega será reconhecida amanhã como a Noruega que os nossos amigos e parceiros em todo o mundo conheceram até agora."
Ontem, apesar das incógnitas, as autoridades decidiram não aumentar o nível de ameaça de atentados terroristas, que continuava a ser considerado "baixo", anunciou Stoltenberg, após uma reunião de emergência do Governo. As autoridades recomendam, no entanto, aos cidadãos que permaneçam em casa durante o fim-de-semana e que evitem as áreas mais movimentadas da capital.
Eskil Pedersen, líder do movimento juvenil do Partido Trabalhista, disse ontem aos jornalistas que o encontro de Utoya vai continuar a realizar-se. "O nosso acampamento de Verão sempre foi maravilhoso. As pessoas aprenderam muito aqui e fizeram muitos amigos. Vamos continuar a trabalhar muito para que o acampamento aconteça em memória daqueles que perdemos", disse Pederson, ele próprio um sobrevivente do massacre. E deixou uma promessa: "Regressaremos a Utoya."
Este foi o mais grave atentado terrorista na Europa desde os ataques de 7 de Julho de 2005 em Londres (52 mortos), levados a cabo por radicais islâmicos, e a pior acção na Noruega desde a II Guerra Mundial.
O Presidente norte-americano, Barack Obama, condenou os ataques: "Isto lembra-nos que toda a comunidade internacional tem grande responsabilidade na prevenção deste tipo de terror."