Como Rupert Murdoch conquistou a América
Outfoxed, um documentário de 2004 sobre a Fox News e a "guerra de Rupert Murdoch ao jornalismo", começa com uma cena de O Padrinho II. Mas a América não precisou de um australiano: já tinha os seus magnatas da imprensa com ligações à máfia. A palavra preferida para descrever Murdoch nas colunas de opinião dos jornais americanos por estes dias é "pirata".
Se a imprensa americana (a que não pertence a Murdoch) tem dedicado uma atenção obsessiva ao escândalo da News Corp. no Reino Unido, é porque "é difícil pensar em qualquer outro indivíduo que tenha tido um impacto maior na cultura política e mediática dos Estados Unidos no último meio século", como escreveu recentemente na Time Carl Bernstein, o repórter que desencobriu o caso Watergate, com Bob Woodward.
A murdochização da América (ou rupertismo, dependendo do talento para o jogo de palavras) começou nos anos 70. Murdoch olhou para o jornalismo americano e viu que ele era autogratificante, elitista e aborrecido. O seu sonho é criar um tablóide nacional com o sucesso e o impacto do Sun à escala americana. Mas os seus esforços têm falhado.
O seu New York Post ainda hoje é o que na América mais se aproxima do tablóide britânico. Murdoch é quase instantaneamente classificado como um corruptor do jornalismo, algo que perdura há 30 anos, mas hoje isso não passa de uma rixa de rua: o raio de acção do Post é local.
A verdadeira revolução de Murdoch na América, que provocará uma mudança de paradigma tão estrondosa como a forma como transformou a a imprensa britânica, é um canal de notícias chamado Fox News. A ironia é que é, em parte, por causa da sua frustração com a imprensa que Murdoch entra na televisão. Na sua biografia sobre Murdoch, The Man who Owns the News (2008), Michael Wolff defende que a Fox News é, por excelência, o tablóide americano de Murdoch, combinando todas as lições aprendidas: apontado directamente à jugular, histérico, se não mesmo apocalíptico (Glenn Beck), um canal que acredita que não há informação sem efeitos dramáticos. Um canal de opinião, mais do que de informação: os apresentadores não são pivôs, são comentadores a tempo inteiro; os convidados devem confirmar ou reforçar a ideologia da Fox News ou serão dispensados. E o volume está sempre no máximo: toda a gente grita. Sim, a Fox é tudo menos aborrecida. A Fox News é o tablóide da política americana. (Para Murdoch, a palavra "tablóide" é sinónimo de eficácia, bons reflexos, emoção, e falta de pretensão.) Nenhum outro media produz reacções tão viscerais na América contemporânea. "Eles provaram que é possível criar um canal puramente político e ter sucesso", resume ao PÚBLICO o jornalista James Fallows, autor do livro Breaking the News: How the Media Undermine American Democracy. Quando apareceu, em 1996, a Fox tinha o mercado inteiro para si: o modelo era a CNN, um produto sóbrio e neutral. Murdoch considerava que os media eram excessivamente de esquerda. Não havia ninguém na televisão a reclamar a bandeira do conservadorismo. Em sete anos, a Fox News ultrapassou a CNN. Hoje tem mais audiências que a CNN e a MSNBC juntas. Claramente, existe um público. "É a mesma coisa que o Sun faz em Inglaterra: a Fox reforça preconceitos", resume Jeff Cohen, crítico dos media e professor de Jornalismo que foi comentador na Fox News durante os primeiros cinco anos do canal. "Dia após dia, eles tratam de dizer ao espectador: "Você tem razão em menosprezar as minorias. Você tem razão em recear os imigrantes e os muçulmanos. Você não tem nada que ter vergonha desses preconceitos." Essa é a ideologia principal da Fox News."
Depois de ter apoiado George W. Bush, a Fox tem alimentado a animosidade contra Obama, fazendo eco das falsas polémicas - as alegações de que Obama nasceu no Quénia, é muçulmano e não gosta de brancos. É a estação preferida do Tea Party.
"Nos últimos 15 anos, ninguém tem avançado tanto a agenda republicana quanto a Fox News", diz Jeff Cohen. Há um efeito Fox: criou subespécies à esquerda (a MSNBC consegue ser tão estridente) e é tida como a principal responsável pela polarização do discurso político nos EUA.
O paradoxo é que enquanto a Fox defende os valores familiares e religiosos e as causas sociais dos conservadores, Murdoch é o homem que deu à América Os Simpsons e Glee, programas que exploram temas que irritam o conservadorismo. É por isso que há quem defenda que Murdoch não é um ideólogo - é alguém que usa a influência política para avançar nos seus negócios. "Ele é sobretudo um homem de negócios com interesses políticos, e não um ideólogo que também gere um negócio", distingue James Fallows. "O exemplo disso é a Inglaterra: ele tem sido um aliado de todos os governos que têm estado no poder. Porque o governo que está no poder pode afectar os seus interesses."
O comentador Glen Beck é um dos ícones da Fox News, que é o verdadeiro tablóide americano de Murdoch