Louis Garrel é muito alto, não gosta de andar de avião e tem como ambição ser o melhor palhaço do mundo. Uma destas afirmações não quadra com a seguinte declaração: "A arte é qualquer coisa que nos dá vontade de viver. É algo que aprendi nos filmes de François Truffaut".
Mas o actor e realizador de 28 anos, coqueluche do cinema de autor francês graças à sua presença em "Os Sonhadores", de Bernardo Bertolucci, ou "Em Paris" e "As Canções de Amor", de Christophe Honoré, esforça-se em palco para provar que é tudo verdade. Aceitando o prémio de melhor ficção em competição no Curtas Vila do Conde com o mesmo charme que lhe é reconhecido no écrã, falou de gravatas e do seu medo de andar de avião, não quis agradecer à equipa do filme "porque eles não estão aqui e portanto não iam ouvir e assim não vale a pena", e desejou ao realizador João Nicolau (autor de "Rapace" e "A Espada e a Rosa") que "a República Estética de Telheiras se concretize".
Algumas horas antes, fora com toda a seriedade, e até alguma timidez, que conversara com o Ípsilon a propósito de "Petit Tailleur", a sua segunda curta como realizador, cuja vitória na categoria de melhor ficção a concurso no Curtas 2011 motivou um desafio-relâmpago ao seu medo de voar para vir aceitar o prémio. Como dura 45 minutos, já não é bem uma curta e ainda não é uma longa: é um filme fora de formato. "Antes havia uma categoria chamada de média-metragem, mas é uma palavra infeliz: dá sempre a ideia que é um filme mediano. E não é isso. A curta-metragem é o amadorismo em estado puro - algo que se faz por amor ao cinema. E Jean Renoir dizia que o amadorismo deve sempre ser defendido porque contém em si a palavra amor."
Dimensão táctil"Petit Tailleur" sucede a "Mes Copains" (2008), e recorre ao mesmo grupo de amigos com quem Garrel faz teatro para contar a história romântica de um aprendiz de alfaiate (Arthur Igual) que se deixa seduzir por uma actriz mitómana (Léa Seydoux). Ao longo da nossa conversa, entre um café e um cigarro, o actor, aqui realizador e argumentista, fica contente por vermos em "Petit Tailleur" os seus filmes e realizadores de cabeceira, não tanto como referências directas mas como presenças tutelares. Fala de John Cassavetes e do modo como ele libertou os actores; cita o seu Truffaut preferido, "Angústia" (que homenageou num plano); diz de Jean-Luc Godard que "Viver a Sua Vida" é "uma obra-prima absoluta, um dos melhores filmes de sempre".
Do pai, Philippe Garrel, que já o dirigiu por várias vezes (a mais recente das quais em "Un été brûlant", actualmente em finalização) distancia-se mais - "claro que aprendi muito com ele, porque o vi trabalhar muito. Mas tenho tendência a pedir-lhe conselhos mais técnicos, há um lado industrial do cinema que ele domina muito bem". E gosta muito de Christophe Honoré, com quem já rodou seis vezes e que lhe deu os seus papéis mais carismáticos, porque, "nos seus filmes, ele sabe evitar o realismo quotidiano que parece ser o modo natural do cinema francês. O Christophe não tem interesse em seguir as regras do realismo convencional - não se preocupa se a história é plausível ou não, desde que o seja dentro do universo do filme".
É precisamente por esse lado gasto, de reinvenção visual de uma "cidade-museu" onde "ainda é possível existirem aprendizes em ateliers de alfaiataria à moda antiga!", que Garrel filmou Paris em "Petit Tailleur", indo de encontro à sua ideia de narrar "um conto de fadas", uma fábula urbana. A escolha por rodar a preto e branco vem em parte daí - "evita esse quotidiano aborrecido, permite desfazer a realidade de um cenário que já conhecemos bem, recompôr as cores na nossa cabeça."
Mas há uma outra razão, mais trivial: "íamos rodar muito à noite em exteriores, e as luzes de sódio dos candeeiros parisienses não passam bem a cores..."
E a escolha de rodar em película também não passa por uma questão de "reaccionarismo ou de passadismo. Não sou contra o digital, mas é verdade que existe uma dimensão táctil na película, há algo de mágico." Refere-se a uma questão de história, de passado, de algo que se perde com a passagem ao digital, que ilustra de modo exemplar com uma pequena história que lhe aconteceu. "‘Petit Tailleur' teve estreia em França, e ao fim de alguns dias amigos começaram a dizer-me que a cópia estava em muito mau estado. Fui ver e de facto estava deteriorada, com o som baço e muitos riscos... O projeccionista explicou-me que era um problema da película da cópia, que era demasiado fina e se gastava muito depressa, e foi ele que me deu a solução: tirar uma cópia nova e lacá-la, usando laca normal, da que se usa nos cabeleireiros. Assim fizemos e a cópia manteve-se impecável... É este tipo de segredos que corre o risco de se perder com o digital, um saber que deixa de existir."
E é um saber para o qual Garrel olha com modéstia - embora já tenha realizado uma terceira curta (onde pela primeira vez está dos dois lados da câmara), continua a pôr a representação à cabeça. "Não sou um autor, não sou um poeta. Realizo como se fosse actor, e tento ter um olhar dramatúrgico sobre as coisas - amar as personagens e os actores que as interpretam. Aliás, a posição do encenador realizador é uma invenção dos anos 1950, só depois é que o realizador se tornou na vedeta..."
E haverá uma passagem à longa? "É a pergunta a que procuro responder neste momento. A curta é algo que se faz por amor, mas, a partir do momento em que se passa à longa, há mais dinheiro envolvido, mais pessoas interessadas... O desafio é tentar guardar esse amor dentro dessa estrutura maior, mas sinceramente não sei se é possível. Ainda não encontrei a minha resposta. Mas idealmente, qualquer que seja o formato, o que é preciso é fazer filmes que estejam próximos de mim. É isso que procuro." Se isso implica ou não ser o melhor palhaço do mundo, logo se verá.