Marcha do Orgulho LGBT do Porto foi a marcha dos discriminados

Luta contra estigmas sociais juntou grupos pouco habituais em desfiles deste tipo. Adopção por casais gay e austeridade estiveram em destaque

O relato da 6.ª Marcha do Orgulho LGBT (Lésbicas, Gays, Bissexuais e Transgéneros), que decorreu ontem à tarde, no Porto, pode ser feito através dos slogans que circularam pelas ruas, em faixas ou cartazes. "Rejeita a austeridade, abraça a igualdade", "Somos mães e pais/Nem menos nem mais/Direitos iguais", "Binarismo não faz o meu género" e o mais provocatório "Se Deus não nos ama, por que nos fez tão giros?" são alguns exemplos.

Mas qualquer descrição do evento tem também de incluir a palavra heterogeneidade: jovens com deficiências mentais e até uma associação da área da Gerontologia juntaram-se à marcha.

A intenção da organização, que incluiu 13 entidades (Bloco de Esquerda, Juventude Socialista, Partido Humanista e SOS Racismo, entre outras), foi chegar junto da sociedade civil e sair do "gueto". "Mais do que tratarmos de questões de identidade de género ou relativas ao movimento LGBT, quisemos abordar a discriminação, seja por que motivo for. Perseguimos a utopia de uma sociedade plena de direitos", declarou ao PÚBLICO Raquel Barbosa, porta-voz da marcha e membro do Grupo de Intervenção Solidário.

Naturalmente, não faltou um pouco do "folclore" associado a estes eventos: muitas bandeiras arco-íris, uma gaita-de-foles, música, distribuição de panfletos e preservativos. Mas viram-se poucos casais de mãos dadas, poucos gestos de carinho. Muitos participantes fugiram dos jornalistas presentes e mantiveram o recato, pelo menos até arrancarem para o percurso entre a Praça da República e a Praça de D. João I.

Talvez isso explique uma adesão, abaixo das expectativas: por volta das 16 horas, aquando da partida, o grupo seria composto por cerca de 500 pessoas. Uma das ideias fortes da organização, apelando à mobilização, era precisamente a de que ainda há muito por que lutar, mesmo depois da legalização do casamento entre pessoas do mesmo sexo. "Todas as mudanças legais são importantes, mas a legitimização também pode ser uma arma de repressão. A nossa luta passa por ter o máximo de visibilidade, para ultrapassar as questões legais. Por exemplo, o Partido Socialista criou uma lei de pseudovanguarda em que proíbe o direito de adopção de crianças por casais do mesmo sexo", frisou António Vieira, das Panteras Rosa - Frente de Combate à LesBiGayTransfobia. Para além dessa luta, também estiveram em destaque questões como o direito à mudança de nome e sexo nos documentos de identificação, sem diagnóstico ou avaliação médica, e a homossexualidade na terceira idade.

Combater a austeridade

A palavra "austeridade" esteve igualmente presente na marcha: o receio da organização é que ela não se reflicta apenas no comportamento económico, mas também no social. José Soeiro, em representação do Bloco de Esquerda, teme que o Governo PSD/CDS ponha em causa alguns dos direitos conquistados. "A posição oficial desses partidos sempre foi hostil à causa LGBT. Temos de estar mais atentos, para que não haja recuos e para que se continue a avançar. Ninguém ficou a perder com o casamento homossexual ou com a Lei da Identidade de Género. Pelo contrário, houve pessoas que ficaram mais felizes", sublinhou.

A conclusão, porém, foi a de que as mentalidade estão mais abertas do que em 2006, ano da primeira marcha. "Dantes, quando viam um casal do mesmo sexo, as pessoas acotovelavam-se, ficavam a olhar. Agora, temos aqui casais heterossexuais com filhos, que se juntam para apoiar esta causa, e jovens de 14, 15 ou 16 anos", notou Raquel Barbosa. "Sente-se, de ano para ano, que a sociedade se desprende das raízes católicas, ortodoxas", reforça António Vieira. Ainda assim, não deixaram de se ouvir algumas "bocas" de automobilistas e transeuntes que se cruzaram com a marcha.Local Lésbicas, Gays, Bissexuais e Transgéneros

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