E depois do adeus ao vaivém?
Ao fim de 30 anos e 135 voos, o veículo que partia como um foguetão e aterrava como um avião descolou pela última vez. Nos próximos anos, os Estados Unidos não terão meios próprios de pôr astronautas no espaço. A partir de agora, dependem da boleia da Rússia
É o derradeiro adeus. Nunca mais veremos um vaivém espacial elevar-se no céu de Cabo Canaveral, na Florida, deixando um rasto de fumo branco à medida que se torna um ponto cada vez mais distante e entra, oito minutos depois, em órbita da Terra. Quatro astronautas, Chris Ferguson, Doug Hurley, Sandy Magnus e Rex Walheim, ficarão na história como os últimos viajantes, neste caso a bordo do vaivém Atlantis, que abandonaram a Terra na sexta-feira num veículo que é símbolo da afirmação dos Estados Unidos no espaço.
Há muito que a reforma antecipada dos vaivéns estava traçada. Com o voo inaugural em 1981, na era de Ronald Reagan como Presidente dos Estados Unidos - o lançamento deste programa como uma forma barata e rotineira de chegar ao espaço aconteceu na presidência de Richard Nixon -, a frota de vaivéns resumia-se agora, além do Atlantis, ao Discovery e ao Endeavour.
A explosão do Columbia em 2003 (e já tinha havido a tragédia do Challenger em 1986) apressou a reforma dos vaivéns, que nunca foram baratos, nem fizeram viagens ao espaço ao ritmo de uma por semana, como chegou a ambicionar-se. Em vez de 2020, a despedida seria por volta de 2010.
O então Presidente George W. Bush anunciou-a em 2004, porque queria canalizar os mais de mil milhões de dólares gastos de cada vez que um vaivém descolava para desenvolver vários veículos, que culminariam em viagens humanas à Lua em 2020 e a Marte depois. O Presidente que se seguiu, Barack Obama, manteve a decisão do fim dos vaivéns - embora tenha cancelado, no ano passado, os planos de desenvolvimento dos veículos destinados a substituí-los.
O foguetão Ares I e a cápsula que levaria no seu nariz, a Orion, onde viajariam os astronautas até órbitas baixas da Terra, e que deveriam estar prontos pouco depois da desactivação dos vaivéns, já não seriam construídos. Nem se desenvolveria um foguetão mais pesado (o Ares V), nem um módulo de alunagem para astronautas (o Altair), destinados a viagens já para lá da órbita da Terra.
Obama pretendia mudar de paradigma em relação à forma como se viaja até ao espaço: queria que empresas do sector privado desenvolvessem veículos espaciais, que depois a agência NASA alugaria para o transporte de astronautas. Desta forma, a agência espacial norte-americana poderia concentrar-se noutros desafios, como o desenvolvimento de avanços tecnológicos, as descobertas científicas e a exploração de novas fronteiras no espaço.
Sem respostas
Mas, sete anos decorridos desde o anúncio de George W. Bush sobre o fim dos vaivéns, chega-se a esta pergunta, sem que ela tenha neste momento uma resposta clara: o que vai seguir-se ao vaivém, afinal?Mais: a partir de agora, como é que os Estados Unidos vão transportar os seus astronautas até à Estação Espacial Internacional (ISS, na sigla inglesa), cuja vida útil foi também prologada, até 2020?
A resposta é que, a curto prazo, não antes de 2015, os norte-americanos terão de ir à boleia dos seus antigos arqui-inimigos dos tempos da Guerra Fria, os russos.
Ou seja, nas voltas e reviravoltas que a história acabou por dar, será nas cápsulas Soiuz, montadas no topo de um foguetão, que os astronautas norte-americanos vão chegar à estação espacial nos próximos anos. Aliás, a partir de agora, sem vaivéns, essa é mesmo a única maneira que terão também os outros parceiros da ISS, como a Agência Espacial Europeia (ESA), o Canadá ou o Japão, pois nos vaivéns viajavam astronautas destes países.
Cada bilhete numa Soiuz vai custar à NASA mais de 50 milhões de dólares (35 milhões de euros). A NASA já reservou lugares nos dez voos das Soiuz marcados até ao final de 2013.
Mas, como os vaivéns não punham apenas astronautas no espaço, também levavam carga no seu porão, a partir de agora as naves russas Progresso, sem tripulação humana, ganham importância acrescida no transporte de equipamentos e outra carga rumo à ISS.
O cargueiro que a Europa tem usado em missões de reabastecimento da estação, o ATV (veículo de transferência automatizada), também não tripulado, e que, na reentrada na atmosfera, arde com o lixo trazido da ISS, só tem mais três unidades em produção. Neste momento, a ESA pondera sobre qual o veículo que o irá substituir e espera que os EUA embarquem nesses planos, pelo que tem afirmado o director-geral da agência europeia, Jean-Jacques Dordain.
À espera dos táxis espaciais
Portanto, com os avanços e recuos de Bush e Obama em relação aos veículos sucessores dos vaivéns, não se espera que, nos próximos cinco anos, os Estados Unidos tenham uma solução para lá da que envolve a Rússia.Lá para 2015, até porque há sempre atrasos, a NASA espera então ter outras soluções - e que passarão por veículos desenvolvidos por empresas privadas, que funcionarão como carros alugados ou táxis espaciais. Além dos astronautas e de carga, os seus serviços poderão ser rentabilizados com turistas que queiram ter uma aventura radical.
Para já, quatro empresas vão desenvolver para a NASA propostas de naves comerciais. Para tal, irão receber 269 milhões de dólares (cerca de 190 milhões de euros). São elas a SpaceX, a Boeing, a Blue Origin e a Sierra Nevada. Todas dizem que, em 2014-2015, terão naves prontas a viajar com tripulação, refere um artigo da revista Nature.
A SpaceX já fez um voo espacial de teste a uma cápsula de transporte de carga, a Dragon, em Dezembro do ano passado, e tem agendadas mais demonstrações. Converter a Dragon ao transporte de passageiros vai, no entanto, demorar pelo menos três ou quatro anos.
Mas o Congresso dos Estados Unidos também forçou recentemente a Administração de Obama a fazer marcha-atrás nos planos que tinha cancelado e a prosseguir com o desenvolvimento de veículos capazes de enveredar por missões para lá das órbitas baixas da Terra, podendo ir até à Lua, a Marte e a asteróides.
É assim que os planos do foguetão Ares V e da cápsula Orion, cancelados por Obama, poderão ter de vir a ser reformulados. Mas para ir exactamente onde e quando não está definido.
Todas estas mudanças não têm sido isentas de polémica, mesmo dentro da NASA. Um dos directores de voo, Mike Leinbach, dirigindo-se à sua equipa, fez um discurso que foi gravado e acabou por se tornar público: "O fim do programa do vaivém é uma coisa difícil de engolir e todos somos vítimas da má política de Washington, tanto na NASA como no Governo, o que nos afecta gravemente."
Mike Leinbach continuou no mesmo registo. "Sinto-me envergonhado por não termos melhor orientação de Washington. Ao longo da história do programa de voos espaciais tripulados, sempre tivemos outro programa a seguir: do Mercury para o Gemini, do Apolo para o Apolo-Soiuz, para o Skylab e depois o vaivém", disse. "Tínhamos isso e foi cancelado e agora não temos nada."
Outros desvalorizam o fim do vaivém e a aposta no sector privado, como Philip McAlister, responsável na NASA pelo desenvolvimento do programa de voos comerciais, citado pela Nature: "Embora estejamos a acabar com o programa do vaivém, não estamos a acabar com o programa de voos espaciais tripulados da nação. Está a evoluir para um novo e entusiasmante paradigma."
Quando o Atlantis, que descolou como um foguetão, voltar à Terra como um avião, ao fim desta missão de 12 dias, chegará ao fim um capítulo da história espacial com 30 anos. Um capítulo que teve 135 voos, e que agora não se sabe bem o que lhe vai suceder.