Hanna

É tão raro ver um filme de acção americano que invente qualquer coisa fora do baralho que, mesmo quando a coisa não resulta a cem por cento, vale a pena prestar-lhe alguma atenção. "Hanna" é isso: a história de uma adolescente educada fora do mundo pelo pai funciona ao mesmo tempo como filme de acção estilizado, "comic-book" inane e variação perversa sobre as histórias de entrada na idade adulta. Isto porque o pai de Hanna é um antigo agente duplo que esconde um segredo perigoso, o suficiente para a educar, nos confins da floresta finlandesa, para ser uma assassina de elite.


O que de mais interessante há no filme de Joe Wright ("Orgulho e Preconceito", "Expiação") é a presença constante dos contos de fadas como horizonte do filme, desde o livro dos irmãos Grimm que é a única memória de infância de Hanna até ao percurso invertido de Alice que cai pelo buraco do "mundo real" - como se a vida de Hanna fosse uma inversão da adolescência normal, como se só depois de uma educação adulta "avant la lettre" chegasse finalmente o tempo de ser criança. Infelizmente, o realizador britânico tem problemas em gerir os vários tons que se sucedem no filme, pouco ajudado pela banda-sonora dos Chemical Brothers (um dos casos mais gritantes de desajuste entre música e filme que vimos recentemente). Mas, nos momentos em que acerta, Wright torna "Hanna" num objecto surreal e perturbante, sublinhado pela presença fantasmática da jovem Saoirse Ronan e de uma espantosa Cate Blanchett na vilã de serviço. E é sempre bom ver um filme que arrisca olhar para os códigos de género por outro prisma, mesmo que não meta o prego a fundo.

Sugerir correcção
Comentar