Peter Falk Só mais uma coisa, tenente Columbo

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Fez teatro, televisão e cinema, mas o que celebrizou o actor foi a personagem do detective.

Quando falamos de Peter Falk, falamos de quem? Apesar de uma longa carreira de actor de composição no teatro, na televisão e no cinema, falamos essencialmente da personagem que o celebrizou mundialmente: o detective da polícia que, durante quase dez anos, resolveu crimes numa das mais populares séries televisivas de sempre, com uma frase que denunciava, no final de cada episódio, que ele já tinha percebido tudo: "Só mais uma coisa..." O próprio actor admitia: até nos confins mais longínquos de África, ele saía de um carro e apareciam os putos todos a correr a pedir um autógrafo. "Columbo! Columbo!"

A tragédia da morte do actor nova-iorquino, na sua casa de Beverly Hills, aos 83 anos de idade, na passada quinta-feira, é que Peter Falk já dificilmente se recordaria do papel que lhe ficou colado à pele. A demência, ao que tudo indica decorrente da doença de Alzheimer, que lhe fora diagnosticada em finais da década de 2000, agravara-se ao ponto de já não identificar a personagem que o celebrizara. Desde que a sua esposa de mais de 30 anos e os seus médicos anunciaram o estado de saúde de Falk em 2009, o capital de simpatia granjeado pelo actor ao longo da sua longa carreira foi suficiente para respeitar a privacidade da família.

Falk tornara-se indissociável da personagem do tenente Columbo da polícia de Los Angeles, que interpretou primeiro entre 1971 e 1977, depois entre 1989 e 1991 e, finalmente, numa série de telefilmes esporádicos até 2003, mas a sua versatilidade ganhara-a na grande escola do teatro e da televisão americanos dos anos de 1950. Depois de uma estadia na Marinha Mercante americana, de licenciaturas em Literatura e Ciência Política e de um mestrado em Administração Pública lhe terem explicado que era outra coisa que ele queria da vida, a representação surgiu em meados dos anos 1950 - e a sua primeira professora disse-lhe que, se ainda não era um actor profissional, devia sê-lo.

Paradoxalmente, uma das "marcas registadas" do tenente Columbo jogou um papel importante nessa carreira: o olho de vidro que lhe dava um ar constantemente (e falsamente) distraído. Não se tratava de maquilhagem. Falk perdera realmente o olho direito aos três anos de idade, na sequência de um tumor maligno. Uma carreira de galã estava por isso fora de questão, mas os papéis de composição assentavam-lhe que nem uma luva. Como que a prová-lo, a sua interpretação do gangster nova-iorquino Abe Reles em Murder, Incorporated (1960), de Burt Balaban e Stuart Rosenberg, valeu-lhe a primeira de duas nomeações para o Óscar de actor secundário (a segunda seria no ano seguinte, por Milagre por Um Dia, de Frank Capra).

Vedeta global

Ao longo das décadas que se seguiriam, Falk contracenou com Frank Sinatra, Jack Lemmon, Tony Curtis, Spencer Tracy, Bette Davis ou Walter Matthau, sob a direcção de Blake Edwards, Sydney Pollack, Robert Aldrich ou Rob Reiner. Entre a sua filmografia estão clássicos de culto da comédia americana, como o seu encontro com Alan Arkin sob a direcção de Arthur Hiller, Por Favor não Matem o Dentista (1979), mas também obras aclamadas do cinema de autor. São os casos de As Asas do Desejo de Wim Wenders (1987) e da sua sequela Tão Longe, Tão Perto (1993), e três dos filmes seminais do seu velho amigo John Cassavetes (Maridos, 1970; Uma Mulher sob Influência, 1974; e, numa curta participação, Noite de Estreia, 1977).

Foi, no entanto, na televisão que Falk se tornou realmente numa vedeta global, ao aceitar o papel do tenente Columbo. O detective que não tinha nome próprio e passava o tempo a falar da família (que nunca aparecia na série) nascera primeiro numa peça teatral, mas o actor apenas o assumiria num telefilme rodado em 1968 que se tornaria no "piloto" da série que arrancaria definitivamente em 1971.

A gabardine amarrotada que vestia e o velho Peugeot descapotável que conduzia foram escolhidos pelo próprio actor para "contrapor" a aparência desleixada de Columbo à "gente bem" cujos crimes investigava - e Falk conseguiu inclusive impor à produtora Universal a sua recusa em tornar Columbo numa série semanal, mantendo o ritmo de um episódio de 90 minutos todas as três semanas. Ao todo, foram perto de 70 casos resolvidos pelo detective, o último dos quais em 2003.

Falecido aos 83 anos de idade, Peter Falk deixa duas filhas (uma delas adoptada) do seu primeiro casamento e Shera Danese, esposa em segundas núpcias desde 1977.

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