Machu Picchu salvou-se de castigo da UNESCO

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Com 800 mil visitantes por ano, Machu Picchu é vítima do seu sucesso MÁRIO AUGUSTO CARNEIRO

A cidade centenária de Machu Picchu, no Peru, afinal não vai ficar na lista do Património Mundial em perigo. Mas as autoridades peruanas vão ter de cumprir regras

O comité do Património Mundial da UNESCO, reunido desde dia 19 em Paris, decidiu que não vai, afinal, inscrever na sua lista de lugares em perigo de perderem o título de Património Mundial a centenária cidade inca de Machu Picchu. Mas fez recomendações: um painel internacional de especialistas terá, de futuro, que vigiar de perto a situação do local, declarado Património da Humanidade desde 1983; as autoridades peruanas têm também que elaborar um relatório sobre o estado de conservação do santuário a ser entregue em Fevereiro do próximo ano.

Ou seja, apesar de ter sido salva da "lista negra" da UNESCO, Machu Picchu, a jóia do turismo peruano que a cada ano atrai cerca de 800 mil turistas, será submetido a uma vigilância reforçada a partir de agora. O "puxão de orelhas" acontece quando o Peru se prepara para organizar, a 7 de Julho, a celebração do centenário da descoberta da cidade inca pelo explorador americano Hiram Bingham. Ao longo destes cem anos Machu Picchu tem servido de cenário para filmes, videoclips e os mais diversos anúncios publicitários para televisão, o que já provocou incidentes famosos, como o que aconteceu em 2000, quando uma grua que movia câmaras de filmar chocou com Intihuatana, o relógio solar, situado no ponto mais alto da cidade, provocando-lhe danos.

O local sofre com o excesso de visitantes, sendo, no fundo, vítima do seu próprio sucesso. Apesar de o Peru estar repleto de outras atracções, naturais e arqueológicas, é para ali que todos confluem, incluindo as personalidades famosas que visitam o país, como o milionário Bill Gates ou as actrizes Cameron Diaz e Susan Sarandon, que já visitaram a mítica montanha.

A Câmara Nacional de Turismo peruana estima que Machu Picchu signifique cerca de 70 por cento das receitas totais do turismo nacional e que cada turista que tem como primeiro destino a cidade inca acaba por visitar entre três e cinco lugares mais, deixando no país, em média, cerca de 1500 euros. Apesar de a UNESCO advertir que o monumento se encontra à beira da saturação e que não devem ser dados passos na captação de mais turistas, as autoridades locais dizem que o local tem capacidade para receber mais visitantes diariamente do que na actualidade - máximo de três mil -, com um sistema planificado de horários e novos acessos.

Mas o desencontro entre as autoridades peruanas e a UNESCO não se deve apenas às diferentes visões sobre o número de visitantes. No centro da discussão está também a anarquia turística de Aguas Calientes, o município mais próximo que serve de passagem ao monumento. São precisamente os acessos que têm sido muito discutidos, desde que se soube que existe um projecto - aprovado pelo congresso peruano - para uma nova estrada, entre a localidade de Santa Teresa e as ruínas.

A UNESCO teme que estas novas vias possam contribuir para um maior fluxo de entradas em Machu Picchu, algo que quer a todo o custo evitar. Nesta linha de actuação, a UNESCO está também a fazer pressão para que as comemorações do centenário não decorram nas ruínas, mas sim em Cuzco. No dia 7, em Machu Picchu, apenas 200 pessoas estão autorizadas a assistir às celebrações nas ruínas.

Dois outros sítios na América Latina, mais exactamente no Panamá, também estiveram nas últimas semanas em risco de figurar na "lista negra" da UNESCO. "O património mundial que necessita de um certo grau de preservação está em choque com as ideias de desenvolvimento que muitos países estão a pôr em prática", afirmou ontem Nuria Sanz, a directora regional do Centro de Património Mundial da UNESCO. "Os países da América Latina precisam de reflectir sobre a conservação do património mundial", acrescentou.

No caso do Panamá, têm estado em discussão a Cidade Velha e os fortes de Portobelo e San Lorenzo, localizados na costa caribenha e construídos nos séculos XVII e XVIII. A lista de património mundial reconhece nos sítios que inscreve "um valor universal excepcional e compromete os Estados a preservar um valor para as gerações futuras", lembra a UNESCO, sublinhando que a inscrição "não é um fim, mas um começo".

A reunião do Comité do Património Mundial, que se prolonga até dia 29, tem vindo a examinar o estado de conservação de 169 sítios, incluindo cerca de 30 que formam a lista do Património Mundial em perigo. O comité também examinará 37 novas candidaturas à lista.

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