Já há 50 confissões religiosas "radicadas" em Portugal
Lei da Liberdade Religiosa faz dez anos e permitiu igualdade fiscal entre confissões. Mas há questões a resolver, dizem responsáveis
Meia centena de confissões religiosas tem já o estatuto de confissão radicada em Portugal, concedido desde que a Lei da Liberdade Religiosa (LLR) foi promulgada, há dez anos. Destas, a Aliança Evangélica Portuguesa (AEP) pediu, há meio ano, a celebração de um acordo com o Estado. Mas o pedido está ainda na Comissão da Liberdade Religiosa, à espera de ser apreciado.
Além das "radicadas", há ainda mais de 600 confissões inscritas no Registo de Pessoas Colectivas Religiosas (RPCR). Em ambos os casos, dominam as igrejas e comunidades do cristianismo protestante.
A diferença de estatuto permite que os casamentos celebrados por ministros das confissões radicadas sejam reconhecidos pelo Estado, tal como acontecia já com os casamentos católicos. O acesso ao tempo de emissão na televisão e na rádio públicas e a possibilidade de receber os 0,5 por cento do IRS indicados pelos contribuintes são outras possibilidades conferidas pelo estatuto de confissão radicada. Às confissões inscritas no RPCR o Estado reconhece, com a LLR (publicada a 22 de Junho de 2001, fez anteontem dez anos), a sua personalidade jurídica. A possibilidade da assistência religiosa em prisões, forças armadas e hospitais alargada a todas as confissões também é regulada a partir da lei.
Para que possa ser atribuído o estatuto de confissão radicada, esta tem de ter "presença social organizada no país" ou ter sido "fundada no estrangeiro há mais de 60 anos", de acordo com o estabelecido na LLR.
Dez anos depois, o que falta concretizar? Há medidas que constam da lei e que responsáveis de diferentes religiões consideram que deveriam ser mais tidas em conta. Nazim Ahmad, membro da Comissão da Liberdade Religiosa (CLR) e representante da Rede Aga Khan para o Desenvolvimento em Portugal, diz que o principal problema é obter "a maior igualdade de tratamento entre as confissões minoritárias e as mais representativas do ponto de vista social".
"A igualdade na lei deve transformar-se em maior igualdade em termos práticos", defende Ahmad. E acrescenta que isso se deve traduzir em aspectos que vão "desde os apoios do Estado às instalações religiosas e preservação do património religioso" até questões como o "ensino da religião na escola pública, casamento religioso, assistência religiosa às forças armadas, forças de segurança, doentes, reclusos, etc."
"Há muita ignorância"
O ensino da religião na escola foi um dos temas principais acarinhados pela CLR, organismo criado pela lei e uma das suas consequências directas. Num relatório preparado por Esther Mucznik, que também integra a comissão, eram apontados muitos erros factuais aos manuais escolares sobre as diferentes religiões e apontava-se o ensino da religião nas escolas como via para ultrapassar a ignorância sobre esta matéria.Num texto de opinião que hoje sai no PÚBLICO (ver pág. 30), André Folque, um dos juristas da CLR, recorda também os "erros grosseiros dos manuais escolares". E Fernando Soares Loja, vice-presidente da CLR e membro da Aliança Evangélica Portuguesa, também concorda que o "défice de conhecimento" é relevante em termos culturais. Mas aponta sobretudo problemas no âmbito da aplicação da lei na relação com as autarquias e serviços do Estado.
Há espaços de culto que têm sido encerrados, diz este responsável: a LLR prevê a necessidade de acordo da maioria dos condóminos, ao contrário do que chegou a prever a primeira redacção da lei, para que uma fracção de um edifício possa ser afecta ao culto. Tende também a crescer o número de autarquias que não cedem espaços para eventos religiosos, ao contrário do que fazem com associações culturais ou desportivas, diz Soares Loja. "O Estado é laico, não é por ceder um espaço que se compromete com determinado grupo", defende.
De resto, a CLR precisava de mais meios para fazer investigação sobre o fenómeno religioso, diz Soares Loja. E ainda há quem leia mal a lei em serviços como hospitais e prisões e não facilite o acesso de doentes ou presos aos seus assistentes espirituais. Mas o balanço é "positivo".
A mesma avaliação faz Abdool Vakil, que integra a CLR e é também presidente da Comunidade Islâmica de Lisboa. Considerando que há muita ignorância, nomeadamente sobre o islão, Vakil considera que, entre os problemas por resolver, está a inexistência de um espaço multiconfessional nos aeroportos portugueses, à semelhança do que acontece no resto da Europa. E também a obrigação de um mínimo de dez alunos para se poder criar uma aula de Educação Moral e Religiosa das confissões minoritárias tem de ser repensada, diz.