Commedia dell"arte, revoluções e crise no Festival de Almada 2011

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Ferrucio Soleri dedicou a vida à personagem do

Sobel e Chéreau, Fadhel Jaïbi, Jaime Lorca e Daniel Veronese são alguns dos nomes de topo. Joël Pommerat e René Pollesch estão pela primeira vez em Portugal. O actor Ferrucio Soleri, eterno Arlequim, é a figura homenageada

A commedia dell"arte tem lugar de honra no Festival Internacional de Teatro de Almada deste ano - 28ª edição -, com um ciclo dedicado ao género. Tem também lugar de homenagem, com a presença do Arlequim "mais famoso do mundo", o actor Ferruccio Soleri.

O actor do teatro Piccolo de Milão dedicou uma vida à peça Arlequim, servidor de dois amos, estreada em 1963 e apresentada mais de 2500 vezes em todo o mundo. Ontem esteve em Almada, na apresentação do festival, onde disse que o teatro, com tudo o que tem de "humano e cerebral", pode "ajudar a humanidade nos tempos mais difíceis".

Retratos da Commedia dell"Arte é o espectáculo que Soleri, de 82 anos, apresenta dia 18, na Escola de D. António da Costa, em Almada, a fechar o festival.

Na abertura, Fabula Buffa (dia 4, Escola de D. António da Costa), com Ciro Cesarano e Fábio Gorgolini, a partir de Dario Fo, Nobel da Literatura 1997, tem a colaboração artística de Carlos Boso, que da commedia dell"arte diz ser "o espelho da sociedade".

"Mais do que um movimento estético dos séculos XV e XVI, a commedia dell"arte foi um movimento cívico" ao afastar o teatro das cortes e da dependência dos príncipes, considerou Joaquim Benite, director do Festival, na conferência de apresentação no Teatro Municipal de Almada (TMA).

E "a capacidade de, pelo riso, destruir os vícios e os defeitos dos poderosos", nas palavras de Benite, insere-se nestes tempos de crise e revoluções.

Crise e revoluções

É ela - a crise actual ou a que começou com o crash de 1929; a crise financeira, económica, social ou a de valores - o tema transversal do festival que, este ano, mostra 29 espectáculos de grandes nomes do teatro contemporâneo da Europa aos Estados Unidos, passando pelo Norte de África. O francês Joël Pommerat e o alemão René Pollesch estarão pela primeira vez em Portugal.

A crise, como tema real em palco, acontece na peça Olho-te nos Olhos, Contexto de Ofuscação Social de René Pollesch (Teatro D. Maria II, 7 e 8 de Julho). Ou noutras peças que evocam os conturbados anos 30. É o caso de Uma Bizarra Salada, com encenação de Beatriz Batarda e direcção musical de Cesário Costa, a partir de textos de Karl Valentin (Teatro São Luiz, 15, 16 e 17 de Julho), e de Dramoletes 2 Da Xenofobia, de Thomas Bernhard, conjunto de peças numa encenação de Fernando Mora Ramos (TMA, 13, 14 e 15 de Julho).

O derrube de um ditador como prenúncio do que aconteceu na Tunísia, a Ben Ali, e depois a Mubarak, no Egipto, antecipa-se em Amnésia, espectáculo de 2010 da dupla Jalila Baccar e Fadhel Jaïbi (Escola de D. António da Costa, 11 de Julho) - durante anos, o encenador Fadhel Jaïbi lutou a favor dos direitos humanos na Tunísia; foi um dos protagonistas da Revolução de Jasmim e é um dos dirigentes do Partido Democrata da Tunísia.

Em Cercles/Fictions (TNDMII, 14, 15 e 16 de Julho), pela Compagnie Louis Brouillard, do autor e encenador francês Joël Pommerat, "todas as situações são autênticas", escreve no programa do festival o próprio, que a imprensa francesa definiu como alguém que "persegue os males da nossa época, as dores silenciosas e interiores, de que adivinhamos a presença sombria".

Teatro em seis línguas

Quando não são em português - das 11 estreias, nove são nacionais (para além da Companhia de Teatro de Almada, espectáculos da Mala Voadora, Mundo Perfeito, Solveig Nordlund, Teatro Meia Volta) -, os espectáculos são em francês, inglês, alemão, romeno ou árabe, legendados em português. Fora das estreias, mas como espectáculo de honra (escolhido pelo público do festival do ano passado, para ser reposto este ano), o palco do TMA recebe O Avarento, de Molière, encenado por Rogério de Carvalho (9 de Julho).

Eu Sou o Vento, de Jon Fosse, na versão inglesa de Simon Stephens, com encenação do francês Patrice Chéreau, aterra em Almada (TMA, 17 e 18 de Julho) depois de uma digressão por várias cidades europeias, incluindo uma passagem pelo Festival de Teatro de Avignon, e depois da estreia em Londres, onde foi entusiasticamente recebido pela crítica.

Joaquim Benite encena A Rainha Louca, ópera com música e libreto de Alexandre Delgado, a partir de O Tempo Feminino, de Miguel Rovisco (Centro Cultural de Belém, 8, 10 e 12 de Julho). D. Maria I é aqui "uma personagem muito para lá da realidade" que oscila entre "o extremo da comicidade e o extremo do trágico", diz Alexandre Delgado, no vídeo de apresentação.

Sobel põe em cena Santa Joana dos Matadouros, de Bertolt Brecht, produção da Companhia de Teatro de Almada (Teatro Municipal de Almada, 5 e 6 de Julho).

Desta peça de Brecht, aqui interpretada por alunos finalistas de teatro portugueses, Sobel diz que a interrogação do autor estava sempre presente. Uma interrogação, relativa aos anos 30 - sobre como dizer a uma pessoa que lhe vão tirar algo do muito pouco que tem - mas que se aplica aos dias de hoje. "Todos os dias, a vida falava da peça", conta no vídeo de apresentação. Os ensaios começaram uma semana antes das eleições de 5 de Junho, recorda. "Mais do que ser a peça a reflectir a vida, eram os acontecimentos actuais que reflectiam a peça."

A companhia The Team, de Nova Iorque, um dos mais importantes colectivos independentes dos Estados Unidos, apresenta em estreia mundial Mission Drift (Culturgest, 14 a 16).

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