Criminologistas admitem efeito da pobreza na "delinquência de sobrevivência"
Em alturas de crise em que o desemprego dispara, os impostos aumentam, e os apoios do Estado mingam, é habitual pressupor o aumento da criminalidade. Mas os criminologistas dizem que não há evidências científicas dessa ligação, admitindo, contudo, que há estudos que mostram uma relação entre o aumento de desemprego e uma maior "delinquência de sobrevivência", concretizada em pequenos furtos e roubos.
"Não é porque as pessoas estão no desemprego que se tornam criminosas", sublinha Josefina Castro, directora adjunta da Escola de Criminologia do Porto (ECP). A investigadora explica que há estudos que relacionam o aumento do desemprego com a "delinquência de sobrevivência", mas nota que os resultados das investigações nesta área são contraditórios: "Parece que há uma relação entre desemprego e a criminalidade, mas não se percebe bem em que sentido."
Cândido Agra, professor catedrático de Criminologia e director ECP, é ainda mais céptico. "Tudo quanto se diga sobre o aumento ou diminuição da criminalidade em tempos de crise é uma falácia", sustenta. "Não é linear", continua, "que a crise, o desemprego e a pobreza resultem num aumento de criminalidade." E exemplifica: "A criminalidade aumentou a partir dos anos 60 no Ocidente em quase todos os países, enquanto se vivia um período de prosperidade."
A opinião é partilhada pelo juiz- conselheiro Simas Santos, já jubilado, que coordena a licenciatura em Criminologia, no Instituto Superior da Maia. "É possível que devido à crise se verifique um aumento dos crimes contra a propriedade, mas não será significativo", acredita. Simas Santos diz-se mais preocupado com a criminalidade violenta que veio encontrar novas oportunidades com a globalização. "São organizações criminosas, muitas internacionais, formadas por pessoas com formação militar e para-militar, que se deslocam facilmente dentro do espaço europeu e que cometem crimes violentos como as explosões nos multibancos que temos assistido", descreve o juiz.
Cândido Agra insiste, por outro lado, que em Portugal não é possível fazer uma avaliação rigorosa da evolução da criminalidade, porque faltam estudos sistemáticos adoptando o mesmo modelo. "As estatísticas oficiais são apenas uma das fontes que permitem aferir a evolução da criminalidade. Muitas pessoas são vítimas de crimes, mas nunca apresentam queixa às polícias", realça o professor. "Por isso", completa "precisamos de outros instrumentos como os inquéritos de delinquência auto-revelada e dos inquéritos de vitimização. Só com estes três instrumentos podemos observar com rigor o aumento ou decréscimo da criminalidade."
O director da ECP sustenta que não é possível avaliar com rigor a evolução da tendência num espaço de meses. "Só podemos avaliar períodos temporais longos, no mínimo de dez anos", defende. E acrescenta: "Mas em Portugal não tivemos os três instrumentos de avaliação nos últimos dez anos, daí a falta de rigor científico dos índices de criminalidade." Em 2008, o Ministério da Administração Interna lançou o Observatório da Delinquência Juvenil, que levou a cabo inquéritos de delinquência auto-revelada em que participaram mais de 5000 jovens. "O tipo de crimes e a prevalência que encontramos está dentro dos parâmetros médios, ou, em alguns casos, abaixo, de países como a França, Espanha ou Reino Unido", afirma Josefina Castro, que coordenou o estudo com Agra. Também foram encomendados estudos de vitimização a uma universidade. "O que falta é conjugar os dados obtidos com os três instrumentos, o que no meu entendimento tem que ser feito por uma entidade externa", sustenta. Mariana Oliveira