Linton Kwesi Johnson, poeta dos palcos

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Linton Kwesi Johnson vai ler poemas do seu livro "Mi Revalueshanary Fren" PETER WILLIAMS/CORBIS

QUARTA, 22| Cinema S. Jorge, Lisboa

Quando, em 2002, a Penguin Modern Classics publicou "Mi Revalueshanary Fren", a etiqueta da editora inglesa contava apenas com um outro poeta vivo no seu catálogo: o Nobel polaco Czeslaw Milosz. Aos 49 anos, o jamaicano - em Londres desde os 11 anos - Linton Kwesi Johnson recebia uma honra grande na dimensão e imensa na surpresa. Era o culminar de três décadas de uma poesia insurrecta, de dedo em riste e atacando o conservadorismo thatcherista, e em defesa dos negros britânicos. Tendo passado pelos Black Panthers e pelo colectivo radical Race Today, Kwesi Johnson era famoso pelo verso em que condensava a voz de todos os emigrados: "Inglan Is a Bitch", escrita no patois jamaicano que mais parece a transcrição fonética de cada uma das palavras.

É desse livro, "Mi Revalueshanary Fren", que o poeta vai ler na sua sessão do dia 22, no Cinema S. Jorge. "São poemas dos anos 70, dos 80 e dos 90, e falam da experiência negra na Grã-Bretanha e de outras experiências globais que interagem com essas. Foi surpreendente publicá-los pela Penguin Modern Classics, porque construí a minha reputação enquanto poeta de acordo com os meus próprios termos, nunca procurei a aprovação pelos guardiões do gosto poético inglês. Nunca procurei fazer parte do "establishment" poético. A minha obra tenta, pelo contrário, subverter essa tradição". E o facto nem por um momento belisca a integridade do homem que pede para ser tratado por Mr. Johnson: "Não há contradição alguma. Significa é que a minha obra tem a oportunidade de chegar a um público mais vasto".

Herdeiro de uma tradição de poesia oral, escreve em doses iguais para o leitor e para o ouvinte, argumentando que "foi só com a inovação tecnológica da impressão que apareceram pessoas a escrever poesia cerebral, para a cabeça". "Antigamente", acrescenta, "a poesia era uma arte social que envolvia a interacção com o público, não era feita para a privacidade da nossa sala. Para mim foi sempre um elemento social e é assim que olho para ela". Da mesma forma que não concebe as palavras no papel ou recitadas em voz alta sem uma cópula permanente com a música. Não por acaso, foi ele quem inventou o conceito de "dub poetry", referindo-se "especificamente à arte dos DJ de reggae na Jamaica". Mas no seu caso, fala antes de poeta reggae, uma vez que os seus poemas têm um ritmo implícito da música caribenha. "Oiço música na língua, no discurso e na spoken word, e a minha procura baseia-se na busca por essa música".

Umbilicalmente ligada à reacção dos motins de Brixton, em 1980, a poesia de Kwesi Johnson é uma forma de protesto presente e que dependente da reivindicação de um ideal de justiça social de que não abdica. "Temos de ter esperança de que, um dia, as coisas serão melhores para toda a gente. Não me considero um idealista, mas temos de ter uma visão de mudança e trabalhar nessa direcção". No entanto, reconhece, as coisas "mudaram muito" desde que editou o histórico "Dread Beat an" Blood" (1975), antes livro de poesia, depois disco de "spoken word". "Mudaram", realça, "devido às insurreições negras em Junho de 1981, porque estabelecemos organizações autónomas e batemo-nos pela igualdade racial e justiça social e assim conseguimos algumas mudanças. Levámos 20 mil pessoas para as ruas e marchámos nas ruas de Londres. Isso fez com que os governantes britânicos percebessem que tínhamos esse poder e começaram a ouvir-nos. Hoje temos uma voz. Houve algumas mudanças, mas ainda temos um longo caminho a percorrer na luta pela igualdade racial e pela justiça social".

Então Inglaterra já não é uma bitch? "Bom, para os refugiados e novos imigrantes que vêm hoje do subcontinente africano e do Médio Oriente é uma experiência semelhante àquela que os negros tiveram de início. Para eles, Inglaterra ainda é uma bitch, sim". Trinta anos depois do início da sua actividade como poeta dos palcos, pirómano da palavra e insatisfeito crónico, Kwesi Johnson diz que o seu ponteiro não mexeu do mesmo sítio enquanto indicador de optimismo. Continua a acreditar "na capacidade do espírito humano de se erguer e de resistir a todas as formas de opressão e fazer avançar os valores que definem a humanidade". Sobretudo ao levantar a voz. Gonçalo Frota

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