Retrato de Pousão quando jovem
Na sala que o Museu Nacional Soares dos Reis (MNSR) dedica à obra de Henrique Pousão (1859-1884), o quadro Esperando o Sucesso (1882) destaca-se tanto pelo tamanho como pelo tema: um rapaz de roupa esfarrapada mostra com uma mão uma garatuja feita num pedaço de papel enquanto com a outra tenta dissimular o sorriso malicioso... É impossível ficar-lhe indiferente.
Isso mesmo sentiu Vítor Silva, pintor e professor, que há alguns anose encontrou neste quadro mote para o estudo sobre a história do desenho na arte portuguesa. "Foi um autêntico mergulho" num "caso muito particular no contexto da pintura europeia ocidental, e não só na portuguesa", explica o professor da Faculdade de Arquitectura do Porto. A multiplicidade de leituras que esta tela permite interessou-lhe mais do que o conjunto da obra de Pousão, apesar de o considerar "o grande pintor português do século XIX", podendo ter-se igualado aos grandes pintores europeus da viragem do século, não tivesse morrido com tuberculose aos 25 anos.
De resto, foi este o quadro que fez a capa do catálogo da exposição com que em 2009 o MNSR assinalou os 150 anos do nascimento do pintor alentejano. Vítor Silva foi o comissário; paralelamente, foi publicando ensaios sobre esta obra. Textos agora reeditados num livro - Henrique Pousão, Vítor Silva (Dafne Editora) -, a lançar hoje, às 18h30, no MNSR, numa sessão com a historiadora Raquel Henriques da Silva e o pintor Mário Bismarck.
Vítor Silva vê em Esperando o Sucesso - que considera uma obra tão popular e emblemática do museu nacional portuense como O Desterrado de Soares dos Reis - a modernidade de Pousão, no modo como ele utiliza o desenho infantil para desconstruir o próprio acto da pintura.
Nesta tela pintada em Roma, em 1882 - numa altura em que Pousão tinha saído de Paris à procura de melhores ares para a sua saúde -, Vítor Silva vislumbra uma dupla "autocaricatura": aquela que se evidencia no retrato do pequeno ciociaro (o rapaz pobre do centro de Itália), e que o investigador interpreta como "uma paródia relativamente à formação do pintor académico" a caminho de se libertar dessa condição, e a que vê no canto superior esquerdo da tela, num desenho apenas esboçado.
Marcas do modernismo de Pousão e do seu alinhamento com a contemporaneidade mais avançada, que então se vivia tanto em Paris como em Roma. E que o pintor formado nas Belas-Artes do Porto depois transportaria para Capri, onde realizaria as suas telas mais luminosas e inovadoras nesse seu gesto contra o academismo. E que só não foi mais arrojado porque a morte o surpreendeu quando ainda jovem.