Escrevíamos há dois anos, a propósito da sua estreia individual no circuito galerístico, que Diogo Evangelista se mostrava já um artista promissor. As suas pinturas, produzidas a partir de fotografias encontradas na internet e na imprensa, propunham ao espectador um outro olhar não apenas sobre a própria pintura, mas também sobre a cultura visual que a alimentava. E o que eram essas pinturas? O que faziam? Salvavam da efemeridade, do esquecimento, imagens preexistentes e potencialmente pictóricas (um jovem, uma modelo, um rosto, uma paisagem), eternizando-as sob peles de tinta, verniz e cor.
Em "Demimonde", a nova exposição na Galeria 111, reencontramos exactamente o mesmo processo, guiado por um gesto conceptual mais firme e aventureiro. Diogo Evangelista continua passar sobre as imagens camadas de tinta e de verniz, a sujeitá-las a outras aparências (por exemplo, através do uso do "stencil" e de outras técnicas de impressão, como a fotocópia), deixando quase sempre entrever os referentes originais. Mas o efeito tornou-se mais encantatório. Dito de outro, a maioria das suas pinturas oferece-se, justamente, à contemplação. Pedem que nelas demoremos a olhar, para que se possam (ou não) revelar. É o que acontece nos monocromos habitados por rostos, quais fantasmas cobertos de cor que as telas (feitas câmaras) projectam. Ou numa pintura - belíssima - onde a ideia de perspectiva surge do confronto entre a fotografia e a aplicação da tinta sobre o papel
Diogo Evangelista não faz, todavia, um lamento nostálgico por uma ideia pretérita da disciplina. Embora seleccione as figuras e os motivos pela sua pregnância visual, a sua pintura abre-se à diversidade do mundo contemporâneo das imagens, sejam estas originárias da capa de um disco, de um postal, de uma revista de moda, de um filme ou até de um trabalho de outra exposição. E enobrece-as, torna-as "belas" sem apagar a sua origem vernacular.
Assumida essa condição (a pintura é apenas mais uma forma de produção de imagens, entre outras), toda a imagem é susceptível de ser pintura. Basta cobri-la de luz ou de negrume, de cor. Ou acrescentar-lhe novas superfícies para depois as arrancar: veja-se o rosto levemente velado da mulher, interrompido pelo rasgão do papel. Nalguns casos, a imagem ganha uma natureza táctil, leitosa, noutros perde história e identidade original (seria uma gravura, um desenho, uma fotografia?).
Este jogo entre espectador e obra, entre a pintura e esse mundo exterior, anárquico, chão e anónimo das outras imagens, estende-se às imagens em movimento, com uma obra em vídeo. O artista apropriou-se de spots publicitários, encontrados no YouTube e filmou-os em película. E sem cortes ou montagem, apenas recorrendo a "close-ups" e "travellings", produziu um filme mudo, como se os "talkies" nunca tivessem nascido.
Diogo Evangelista deixou de ser um artista promissor. É um artista a seguir, sem reservas. E quem quiser ver mais obras da sua autoria pode dar um salto à muito agradável Sala de Leitura da Kunsthalle Lissabon, onde nos esperam um livro de artista e novos trabalhos. Desta vez, expostos no soalho.