Homofobia dentro das escolas na base da maioria das denúncias recebidas pela ex aequo

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O relatório foi criado para tentar acabar com os casos de discriminação Foto: Gonçalo Santos

O mesmo documento sobre agressões deste tipo em meio escolar – que a associação publica a cada dois anos através do seu observatório – revela que o número de denúncias aumentou quase 12 por cento entre 2008 e 2010. E esclarece que a homofobia ou transfobia se traduz em “situações de discriminação de qualquer cariz”, desde que tenham como base a orientação sexual de uma pessoa ou a sua identidade de género.

O relatório é feito a partir do contributo voluntário de jovens que tenham preenchido online um formulário que está disponível no site da ex aequo. O documento de 2010 tem como base 103 formulários, isto é, mais 11 do que os recebidos em 2008, aquando do último relatório.

Quanto a idades, foram recebidas denúncias de jovens a partir dos 13 anos e ainda de adultos com mais de 30 anos. Na sua maioria eram alunos (82 por cento) do ensino secundário ou superior (mais de 40 por cento cada), mas também professores e outros funcionários dos estabelecimentos educativos, sobretudo das zonas de Lisboa e Setúbal, que perfazem 55 por cento das queixas recebidas. Do total, 37 por cento das queixas foram de pessoas entre os 16 e os 18 anos e 24 por cento entre os 19 e os 21 anos. Mesmo assim, oito por cento dos casos foram entre os 13 e os 15 anos. Mais de metade foram do sexo feminino, sendo 49 por cento homossexuais, 30 bissexuais e 18 por cento heterossexuais.

Agressões verbais e físicas

“Estas queixas mostram que a agressão continua presente a vários níveis: principalmente a agressão verbal e a psicológica, mas também um número alarmante indica ser testemunha ou vítima de agressão física. A agressão, quando existe, é de forma marcadamente continuada, sendo a maioria relatada com uma ocorrência superior a cinco vezes. Algumas das consequências apontadas são isolamento, baixa auto-estima e agressividade contra terceiros chegando em alguns casos a ocorrer tentativa de suicídio”, refere o relatório.

Em termos de localização, são reportadas 75 situações de agressão e discriminação destro das escolas. Mas a rua (48) e a casa (16) também são locais significativos para estas ocorrências, que são sobretudo perpetradas por alunos (75 casos), por desconhecidos (32 casos), familiares (18), funcionários (16) e professores (14). No entanto, apresentar uma queixa oficial foi praticamente uma raridade que não chega aos cinco por cento.

Das denúncias feitas online, são mesmo relatados dois casos em que os jovens abandonaram o sistema educativo na sequência da discriminação de que eram alvo. Mesmo assim, “o número de participantes a reportar a ideia de negação por parte do sistema de ensino português em incorporar conteúdos curriculares sobre a orientação sexual e a identidade de género diminuiu” em relação a 2008 “mas não se encontra a ser acompanhado pela atitude e desempenho dos professores”, já que só seis participantes denunciaram oficialmente as agressões e destes apenas dois reportam o que consideraram ser um resultado positivo.

Aluno faz queixa do ISEL

O documento inclui alguns dos testemunhos que chegaram através dos formulários. Entre eles destaca-se um caso que a ex aequo trouxe hoje a público de um aluno do Instituto Superior de Engenharia de Lisboa (ISEL) que apresentou queixa na Inspecção-Geral do Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior por causa de comportamentos homofóbicos durante a recepção ao caloiro. O aluno pediu ajuda junto da rede ex aequo para formalizar a queixa, mas acabou por fazê-lo sozinho. “Na recepção ao caloiro/praxes é muito frequente haver cânticos homofóbicos, usando termos como paneleiro e afins, existem também brincadeiras em que a homossexualidade é bastante humilhada”, contou o aluno de 22 anos.

“Numa reunião intercalar, onde foram discutidos os temas a abordar para a Educação Sexual, sugeri que se falasse sobre a orientação sexual (tendo em conta que era uma das propostas que inclusive referia ‘abordar a orientação sexual tentando aceitar não só a sua como a dos outros’) convidando a rede ex aequo a dar uma palestra sobre o tema. Esta proposta foi imediatamente posta de parte tendo como base do argumento ‘os pais que achariam que a escola estaria a tornar os filhos gays’ havendo, ainda, uma mãe (e representante dos pais) que reforçou esse mesmo argumento”, lamentou um rapaz de 17 anos de Évora.

“Foi colocada uma fotografia minha (em montagem) a casar-me”

“Foi feita uma apresentação oral em sala de aula (aula de Português) por um colega em que falava no casamento homossexual e no final da apresentação foi colocada uma fotografia minha (em montagem) a casar-me”, contou um outro rapaz de Lisboa, com 18 anos. “Poderei dar exemplo de um professor que, aquando da legalização do casamento entre pessoas do mesmo sexo, disse, e passo a citar ‘os paneleiros já podem casar’ entre outros comentários semelhantes”, descreveu uma rapariga de 17 anos da zona de Braga. De Aveiro, através de um rapaz de 21 anos, chegou também um relato de um professor universitário que questionou: “Vocês não são dos que pegam de empurrão, pois não?”

O observatório salienta, ainda, que o quatro legal português mudou desde o relatório de 2008, com a aprovação da Lei da Educação Sexual em Meio Escolar em Agosto de 2009, na qual constam como duas das finalidades da educação sexual “o respeito pela diferença entre as pessoas e pelas diferentes orientações sexuais” e “a eliminação de comportamentos baseados na discriminação sexual ou na violência em função do sexo ou orientação sexual”. Mas alerta para a necessidade de se fazerem mais acções de sensibilização e monitorização da realidade escolar em termos de implementação destes princípios.

“O Observatório de Educação LGBT foi criado com o intuito de dar voz e reportar situações de discriminação respeitantes aos temas da orientação sexual e identidade ou expressão de género, bem como ocorrências de veiculação de informação incorrecta, preconceituosa e atentatória dos direitos humanos e da dignidade das pessoas lésbicas, gays, bissexuais e transgéneras (LGBT), que tenham ocorrido em estabelecimentos escolares em Portugal”, esclarece a ex aequo.

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