Esta cadeira não pertence aqui, pois não?
Museus de Arte Antiga e do Design e da Moda trocam peças para diluir fronteiras e "desconstruir paradigmas"
A visitante estrangeira ajeita os óculos e olha novamente para a placa na parede e depois para a cadeira. "Não me parece que seja do século XVII", comenta com a amiga. Tem razão. A cadeira exposta no Museu Nacional de Arte Antiga (MNAA), em Lisboa, não é do século XVII, e nem sequer é do MNAA - faz parte de uma série de objectos da colecção do Museu do Design e da Moda (Mude) que, a partir de hoje, estarão expostos entre o mobiliário antigo, a faiança portuguesa, os biombos Namban. Naquele dia, a exposição estava em montagem e a placa não fora ainda mudada. Hoje já estará no lugar.
M&M, é assim que se chama a dupla exposição, cuja abertura incide com a Noite dos Museus - estes são gratuitos e ficam abertos até mais tarde, o Dia dos Museus comemora-se a 18 -, inaugurada hoje às 21h no MNAA e no Mude. No Museu do Design, é possível ver peças escolhidas entre as reservas da colecção de arte antiga e que mostram como as preocupações com o design dos objectos e a sua funcionalidade existem há muito.
"Queremos desconstruir paradigmas", diz António Filipe Pimentel, director do MNAA, sublinhando, contudo, que "esta exposição vem na sequência de um relacionamento estreito do museu com a arte contemporânea" desde pelo menos os anos de 1970. Com o projecto M&M o que vai existir é um "jogo de espelhos" que levará os visitantes a questionar ideias feitas sobre fronteiras.
São, frisa Pimentel, duas exposições com lógicas diferentes - "não se vai ver mais do mesmo ao outro museu", garante. "Podem ser lidas com total autonomia", reforça Bárbara Coutinho, directora do Mude. Num museu mais clássico como o MNAA haverá uma exposição menos convencional, mais lúdica, em que as aproximações entre objectos antigos e modernos fazem-se sobretudo pelas formas: uma túnica de Issey Miyake em cetim de poliéster dourado e plissado ao pé dos biombos Namban japoneses, com o dourado de uma a confundir-se com os dourados dos outros; o armário composto por gavetas amarradas umas às outras, peça de Tejo Remy, a aparecer ao lado de um contador de pau-santo do século XVII; o candeeiro Sound System do português Fernando Brízio, em forma de onda sonora, ao lado da Custódia de Belém.
No Mude (exposição com curadoria de Pedro Teotónio Pereira), o que aproxima as peças é a função. Aí descobrimos que no Portugal do século XIX já existia uma "cabina de toilette de viagem para homem", um pequeno móvel de madeira com gavetas no interior das quais se escondia, por exemplo, um penico.
Numa altura em que, lembra Teotónio Pereira, os membros da corte viviam "numa itinerância muito grande" e faziam-se acompanhar da sua mobília, a preocupação em conceber uma casa de banho portátil já existia. Tal como na década de 1960, o italiano Joe Colombo, tentando responder ao problema das casas serem mais pequenas, construía as Unidades Totais de Mobiliário que incluíam uma cozinha em miniatura. Épocas diferentes com respostas semelhantes.
"O projecto nasceu da vontade de olhar para os dois acervos e encontrar temas de ligação", conta Bárbara Coutinho. "Queríamos perceber se havia continuidade entre a contemporaneidade e a antiguidade, entre o design e as artes decorativas." E para o MUDE vai ser a oportunidade para mostrar peças menos espectaculares mas mais ligadas ao quotidiano que estão nas reservas do MNAA e que "nunca foram vistas pelo público".
Esta é também, sublinham os dois directores, uma forma de estreitar a ligação entre aqueles museus e mostrar as vantagens de se trabalhar em conjunto.