Um corvo pousado numa tela Um corvo pousado numa tela

Foto
Nadj e Szelevény em

Josef Nadj mostra como se pode cruzar a dança, a música e as artes plásticas

Um corvo pode ser, para nós, um sinal de mau agoiro ou, como na antiga Europa de Leste, um símbolo de sabedoria. Um corvo pode também ser um homem que, depois de mergulhar num enorme vaso cheio de tinta preta, abre os braços como se fossem asas e pinta uma tela como se escapasse aos espantalhos.

Les Corbeaux, a peça que o coreógrafo Josef Nadj apresenta hoje no Centro Cultural Vila Flor, em Guimarães, e que repetirá a 13 no Teatro de Vila Real, a 16 no Theatro Circo em Braga, e a 18 e 19 no Teatro Carlos Alberto, no Porto, é uma hipótese de interpretação do que lhe terá sido dito por um corvo que pousou no seu ombro num telhado em Tóquio.

"É, ao mesmo tempo, um desejo de experimentação de uma presença num espaço e uma vontade em agarrar um tempo que se esvai angustiadamente, como se vivêssemos à beira do precipício", explica Nadj.

Esta ideia de um corpo permanentemente em desequilíbrio tem tudo a ver com a história do próprio coreógrafo, vindo da ex-Jugoslávia mas há anos radicado em França, onde dirige o Centro Coreográfico de Órleans, e onde criou espectáculos como Paso Doble (2006), com o artista catalão Miquel Barceló, onde tudo se fundia numa enorme massa de barro, ou Petit Psaume du Matin (1999), com o bailarino Dominique Mercy.

São peças silenciosas, onde os corpos procuram exprimir-se a partir de uma extrema exigência física, presos que estão a figurações aparentemente simbólicas. "Procuro um estado mental e físico, que me aproxime a uma linguagem primária, quase existencial", diz.

Les Corbeaux, onde partilha o palco com o saxofonista Akosh Szelevény, é "uma tentativa de repensar a própria linguagem [coreográfica]", resume Nadj. O que fazem pode ser improvisado, mas é no conflito entre a intuição e o instinto que Nadj trabalha desde há anos, e onde se inclui o seu trabalho como pintor e fotógrafo: "O tempo de criação é diferente, mas o princípio de pesquisa é o mesmo - é a forma e a acção que determinam o que faço."

Para o coreógrafo, esta peça prolonga experiências feitas em Paysage après l"orage, (2006), peça biográfica para um corpo que continuar a querer carregar a história recente da Europa, e L"Entreacte (2008) onde encontrou Szelevény. Há uma ideia de uma estranheza interior e um equilibro entre identidade e território que, para Nadj, sugerem uma aproximação a um estado físico e mental em permanente diálogo com a música: "É essencial ouvirmo-nos. É isso que leva a um julgamento sobre o que se pode fazer", explica. Nadj diz que essa ideia vem da observação do próprio animal: "Um corvo não coreografa o seu bater de asas; julga as suas variações no momento. Eu queria ser fiel a isso. Há uma matéria que parte da improvisação que é importante guardar, mesmo que o gesto seja íntimo e preciso."

Há uma espécie de efemeridade do movimento que nunca se deixa agarrar pela impressão no papel e onde a pintura se constrói a partir da liberdade dos próprios movimentos. E há um corpo que se obriga a ser livre, e a trabalhar a um nível instintivo. "Há uma segurança do corpo que passa de uma sequência para outra. Ganhamos uma liberdade que vem da concentração, do detalhe. "Há uma vontade de agarrar o tempo, contrariando a vertigem na qual vivemos, mas, simultaneamente, um desejo de evasão."

Sugerir correcção