O grau zero da política

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As eleições que se avizinham, no meio de muita vozearia pouco ou nada substantiva, são importantes

Chegou-se, entre nós, não apenas a uma situação de gravíssima crise financeira e económica, mas também ao grau zero da política. Não só fomos obrigados a pedir um resgate internacional, perante a ameaça iminente de bancarrota, como ainda a maioria dos eleitores, desiludida com toda a classe política, não parece depositar grandes esperanças nas próximas eleições. Qualquer que seja o resultado delas, não se vislumbra um futuro animador a curto ou a médio prazo.

No entanto, as eleições que se avizinham, no meio de muita vozearia pouco ou nada substantiva, são importantes. Em primeiro lugar, porque, ao contrário de Otelo e outros, quero acreditar que não há uma solução fora do actual quadro democrático, que exige neste momento a nossa intervenção. Em segundo lugar, porque coloca nas mãos dos eleitores, nas nossas mãos, o futuro do actual primeiro-ministro, que mais não tem para oferecer do que mais do mesmo. Podem os politólogos congeminar muitas análises políticas, mas basicamente a questão que se coloca é um referendo sobre José Sócrates. A pergunta, muito simples, é a seguinte: Queremos manter a condução do destino do país, o nosso destino, nas mãos de quem já mostrou à saciedade a sua falta de competência e de idoneidade? Ou, pelo contrário, queremos afastar claramente essa possibilidade?

De facto, foi o actual primeiro-ministro o responsável número um pelo grau zero da política. Foi ele que se rodeou de gente incompetente (com poucas honrosas excepções), que impavidamente deixou o país deslizar para o fundo. Não, não se trata só da sua incapacidade de percepção das consequências gravosas das suas políticas. Eles criaram uma campanha propagandística que nos iludiu sobre o estado da nação, dificultando a nossa percepção. Eles são os responsáveis pelo planeamento de parcerias público-privadas ruinosas para o erário público, por exemplo para construção de auto-estradas inúteis. São também responsáveis pela nacionalização de bancos privados, que se transformaram num pesadíssimo ónus para todos nós. E são ainda responsáveis pelo regabofe no gasto de dinheiros públicos, com a manutenção de instituições arcaicas como os governos civis e algumas direcções regionais, que pouco mais servem do que para dar emprego a correligionários políticos, para já não falar de organismos públicos e fundações de utilidade duvidosa. Enganaram-nos, através dos sucessivos PEC, sobre a sua capacidade de gerir o Orçamento do Estado. Enganaram-nos, ansiosos por manter o poder nas últimas eleições, com o aumento dos salários dos funcionários públicos e a promessa de não subida de impostos. E enganaram-nos com miríficas esperanças como a das energias renováveis, que, ao contrário do que reza a publicidade oficial, são caras e pouco eficientes, não passando por isso de uma flor na lapela de um casaco roto.

Sendo o primeiro-ministro ainda em exercício o principal culpado pelo estado a que o Estado chegou, ele não é decerto o único. Custa ver que o ministro das Finanças, com um doutoramento numa universidade de prestígio, não tenha erguido a sua voz a tempo no sentido de evitar desvario maior. Custa saber que o partido de governo, que tem grandes tradições democráticas e que se pode orgulhar de ter alguns homens impolutos, efectuou eleições internas com resultados similares aos da Coreia do Norte. E custa observar o Presidente da República que, numa situação que já era de enorme crise, nomeou um governo minoritário, não tendo sido capaz de o demitir em tempo oportuno.

Sei bem que a oposição tem pouco, muito pouco para dar, num quadro geral que não é apenas de ruína financeira e económica, mas também e principalmente de ruína ética e moral, alicerçada numa imensa deficiência da educação nacional. Contudo, por vezes, a democracia não serve tanto para escolher os melhores Governos, mas mais para eliminar os que se revelaram maus (como fizeram aliás, há pouco, os irlandeses). Se a escolha em Portugal fosse, por hipótese, entre o actual primeiro-ministro e o rato Mickey, eu não hesitaria em votar no boneco da Disney. Professor universitário (tcarlos@uc.pt)

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