Agitadores unidos: Chain & The Gang contra a liberdade!

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Ian Svenonius é um dos nomes fundamentais da música independente americana nas últimas duas décadas. Agitador político, dandy em fato de soul man, foi líder dos Nation Of Ulysses, Make Up ou Weird War. A sua última banda estreia-se esta noite em Lisboa, no Musicbox

Quando Ian Svenonius nos apareceu desde Washington os seus objectivos eram ambiciosos. Fundara uma banda, os Nation Of Ulysses, e propunha-se "esmagar o monólito do rock"n"roll". Título do seu primeiro álbum, ano 1991: 13-Point Program to Destroy America - não era só o "monólito do rock"n"roll" que ele se propunha destruir.

Vinte anos depois, o seu nome está associado a bandas como Make Up ou Weird War, está inscrito em The Psychic Soviet, colecção de ensaios e crónicas sobre arte, sociologia e antropologia, editado em formato semelhante ao do Pequeno Livro Vermelho de Mao, e surgiu em destaque em Soft Focus, talk-showonline da VBS.tv em que, desde Londres ou desde o Museu Guggenheim de Nova Iorque, entrevistou, provocador e desconcertante, Will Oldham, Cat Power ou Mark E. Smith.

Ian Svenonius, activista iconoclasta, agitador punk em fato sempre elegante, é um dos nomes fulcrais do underground americano das últimas duas décadas. Esta noite, a partir das 22h30, fará do Musicbox, no Cais do Sodré, em Lisboa, o púlpito do seu gospel profano. Em palco, os Chain & The Gang, a sua última banda. Estrearam-se com Down With Liberty... Up With Chains e, este ano, editaram o imperdível Music"s Not For Everyone.

O P2 entrevista-o desde Washington, poucos dias antes de viajar para Portugal. Durante uma hora, ouvimos o pensador político para quem, num mundo em que o "capitalismo perdeu a vergonha, porque já não existe a ameaça de uma alternativa", uma banda rock"n"roll pouco mais pode ser do que "uma pantomina de protesto". Ouvimos o cantor sardónico para quem inovação é coisa pouco interessante - "interessa a autoridade da comunicação, como tinham os velhos cantores soul" - e para quem a liberdade pode ser um conceito perigoso: Down With Liberty... Up With Chains foi inspirado nos resistentes espanhóis às invasões napoleónicas, que gritavam "abaixo a liberdade" perante o avanço das tropas de Napoleão, que se afirmavam "exportadoras de igualdade, liberdade e fraternidade".

Mais de dois séculos depois, Svenonius vê afegãos e iraquianos no lugar dos resistentes espanhóis; vê-se a si mesmo, farto que está de uma vida a ouvir que "a nossa liberdade [americana] é a melhor de todas as liberdades". "Cada pessoa é a sua realidade. Falo com russos que cresceram durante o período soviético que me dizem que, quando eram pequenos, acreditavam ser as pessoas mais afortunadas do mundo por viverem na União Soviética. Acontece o mesmo nos Estados Unidos. Crescendo aqui, pensarás "oh, tenho tanta sorte por ter água canalizada e electricidade". Não temos que exportar socialmente o que quer que seja. Seremos um país melhor do que alguns, somos certamente piores do que muitos outros". Logo: "Que se foda a liberdade! Que se foda a exportação de liberdade!"

À beira do descalabro

Svenonius considerava a sua primeira banda, os Nation Of Ulysses, que eram punks à beira do descalabro e performers incrivelmente físicos, mais "partido político" do que grupo musical.

Quanto aos Make Up, indispensáveis na segunda metade dos anos 1990, idealizou-os enquanto porta-vozes de uma "teologia da libertação" propagada em rock psicadélico e assente no que definiu como gospel yeh yeh.

Em palco, a postura de Svenonius está entre o cantor soul e o discursador em palanque de comício. Músico intuitivo que se vê entre líder de gangue contagiando a multidão e comediante stand up que tenta "deleitar o espectador com algo fresco, espontâneo e selvagem", Svenonius é um dandy muito consciente da sua pose. Pretende causar impacto e agitar. É a única forma de vencer esta desconfortável "sensação de insignificância" do mundo pós-Internet, esse em que a famosa profecia de Warhol ("todos terão direito aos seus quinze minutos de fama") se transformou num "todos serão famosos para quinze pessoas".

"Porque é que os Beatles se sentiam tão profundamente criativos?", dispara. "Porque o mundo lhes dizia "vocês são muito importantes". O sucesso pode destruir uma pessoa, mas também a pode fazer florescer. Os génios que trabalham na obscuridade toda a vida são excepções. É o aplauso que leva as pessoas a dar passos firmes." E hoje, quando vai a concertos ver a nova geração de bandas indie, Svenonius não vê passos firmes: "Sentem-se tão insignificantes que normalmente nem conseguimos ouvir o que dizem. Têm medo, verdadeiro medo. É por isso que escondem a voz em efeitos. A maior parte das vezes, nem sequer vislumbramos sinais de uma verdadeira personalidade", lamenta.

Svenonius nunca teve medo de se expor. Para ele, o rock"n"roll é "a antítese da humildade", é "música trojevante e descarada de delinquentes". É, basicamente, uma "fantasia propondo um ideal de vida" cujas origens se descobrem não no blues, mas nos gangues juvenis dos anos 1950 imortalizados na Fúria de Viver com James Dean ou n"O Selvagem com Marlon Brando. "Os gangues projectavam a sua individualidade. Eram heróicos e sórdidos, vestiam fatos a condizer e tinham uma vida sem trabalho." As bandas rock"n"roll são "versões comercializáveis dos gangues, são pregação industrial".

Conscientes que proclamações políticas clássicas têm hoje impacto reduzido, os Chain & The Gang viram a criatura contra o criador: são propagandistas delirantes e uma voz de protesto desarmante por, precisamente, fugirem a todas as tradicionais regras de protesto. Procuram essencialmente uma coisa: uma voz individual que, pela força da ironia e pela transformação "da palavra dos discos na carne do palco", consiga vencer a padronização estéril dos nossos dias.

Tocam rhythm & blues infernizado, transformam canções pop delico-doces em agit prop delirante e separam as águas com essa "music"s not for everyone" que é o principal manifesto do último álbum. A Svenonius incomodam os consensos, causa-lhe urticária o politicamente correcto. Por isso canta que Wanda Jackson, Beethoven ou Bo Diddley não são para toda a gente. "A música é tão usada para controlo social, para servir o comércio e tão omnipresente que tem hoje a mesma dimensão simbólica da religiosidade na Idade Média. Parece-me que as pessoas vivem em constante medo de serem castigadas como não crentes. Ninguém tem problemas em dizer que não gosta de poesia ou de pintura, mas dizer que se gosta de música parece ser uma necessidade compulsiva."

Cantar Music"s Not For Everyone é a sua forma de defender a força transformadora do rock"n"roll. Tal como antes, cantar "abaixo a liberdade" era o melhor grito de homem livre que poderia dar.

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