Anatomia de uma Birkin
Para a Hermès, o tempo é relativo. Importante é escolher as mãos que garantem um trabalho perfeito das suas it bags - malas que se tornaram ícones por estarem associadas a celebridades. A artesã Nadia Selloum explicou à Pública o tempo que demorou a fazer a sua primeira Kelly, um ícone da marca, tal como a Birkin.
Para a Hermès, o tempo é relativo. Para as suas clientes ou admiradoras, o tempo é longo. Ansioso. Já faz parte da história da moda o período de espera por uma Birkin, a mala ícone que, com a Kelly, também da Hermés, é uma espécie de mãe de todas as it bags, as carteiras de marcas de luxo associadas a uma estrela. Hoje, marcas como a Mulberry ou a Chanel fazem-no todas as estações. Mas no princípio era a Kelly. E depois a Birkin.
Hoje, a francesa Hermès garante então que o tempo é relativo. O importante é escolher o artesão que garanta um trabalho perfeito numa destas malas. E só assim se percebe o preço destes objectos de desejo, bem como a razão pela qual rapidamente se transformaram em it bags. Não confundir com as hit bags, as bolsas que fazem sucesso mas que não se transformam em clássicos, como é o caso de alguns modelos Vuitton, Prada ou Chanel que surgem a cada estação. As it bags são modelos que se tornam clássicos.
Uma das artesãs que fazem estas malas-símbolo revelou alguns dos seus segredos à Pública. Totalmente feitas à mão, apenas uma pessoa faz una mala. Essas duas mãos trabalham, no mínimo, 20 horas numa dessas carteiras. Mas isso também é relativo. Primeiro, há que aprender. "Demorei 90 horas a fazer a minha primeira mala, uma Kelly. E estava tão mal feita que foi para o lixo", conta Nadia Selloum, de 38 anos. "A segunda já só me demorou 45 horas e ao fim de três anos consegui chegar às 20 horas", sorri a artesã, que exerce a sua profissão numa das oficinas que trabalham exclusivamente para a Hermès. Em oito anos de trabalho, fez cerca de 800 malas.
Não se partilha
"A Hermès sempre nos incentivou a preocuparmo-nos primeiro com a perfeição das peças e só depois com o tempo que demoram a fazer", diz. A peça mais difícil de uma destas carteiras (e cada mala envolve 40 peças distintas) é, para Nadia, a asa da Kelly, porque, para além da pele exterior, leva outra peça de pele grossa no interior e as duas têm de ficar com as costuras e a forma perfeitas: demorou 11 meses para a conseguir fazer na perfeição.
Costureira de profissão, Nadia Selloum viu-se desempregada há oito anos. Inscreveu-se num dos cursos que a Hermès promove para encontrar artesãos para a sua secção de marroquinaria e foi seleccionada. Como cada artesão se especializa em dois ou três modelos, Nadia faz apenas os modelos Kelly, Birkin e Jypsiere em couro. Só as de couro, porque as peles especiais, como as de crocodilo, têm uma metodologia diferente que exige especialização e ferramentas adequadas.
Cada artesão recebe um estojo com as ferramentas necessárias, "que tratamos como se fossem os nossos bebés", garante Nadia. E por norma não as partilham com ninguém. A Pública comprovou-o no Algarve. Nadia Selloum ficou visivelmente preocupada quando alguém tentou pegar numa das suas ferramentas, que estavam na sua mesa de trabalho improvisada na loja temporária que a Hermès tem na Quinta do Lago durante este Verão. Ali, e durante uma semana, a artesã fez pequenos arranjos nas malas das clientes mais fiéis da marca.
Método científico
O método de trabalho da Hermès e dos seus artesãos esteve à vista. As encomendas dos clientes vão ao pormenor. Escolhem-se os tamanhos, as cores, a pele, o fio das costuras ou o forro. Há fechos banhados a ouro, outros que não o são. O preto é das cores mais pedidas, seguida do Gold (castanho camel) e do cinza-elefante. Cada artesão, e neste caso Nadia, trabalha sempre dois sacos ao mesmo tempo para aproveitar o tempo. É normal esperar meses ou anos por uma Birkin ou por uma Kelly, mas dentro do atelier o tempo é pensado ao minuto - trabalham-se duas malas em simultâneo para, quando uma está a secar, depois de ser colada ou após alguma pintura, se ir trabalhando outra.
O método, minimal, prossegue. Quando um saco está terminado, é mostrado à colega em frente para que ela o verifique. Depois, segue para o chefe que a inspecciona cuidadosamente e ainda passa por dois controlos de qualidade. Depois cabe ao serviço de distribuição das malas Hermès espalhá-las pelo mundo. Segundo os dados fornecidos à Pública, uma carteira em preto demorará mais seis meses a chegar do que em qualquer outra cor. E em Espanha, por exemplo, espera-se 8 meses por uma Kelly - mas, se for em preto ou no castanho clássico, demorará ano e meio a ficar pronta.
Há dias, Jane Birkin, a homenageada com a mala Birkin original, decidiu leiloar o modelo que o presidente da Hermès, Jean-Louis Dumas, mandou fazer exclusivamente para ela em 1984, tendo por base um modelo de 1892.
O seu preço ronda os 5500 euros para os estilos básicos de couro. Mas, a 15 de Abril, o modelo de couro da cantora e actriz francesa, repleto de autocolantes que assinalam as suas viagens pelo mundo - é que a primeira Birkin nasceu como uma mala de fim-de-semana e não como carteira - foi a leilão no eBay pelas mãos da própria e rendeu cerca de 112 mil euros, todos a caminho do Japão em benefício das vítimas do tsunami de Março. São outros tempos.
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