A avenida mais criticada também é a mais estimada
Os prédios velhos e devolutos têm acinzentado a vida da Avenida do Dr. Lourenço Peixinho, em Aveiro. Após anos de discussões e estudos, espera-se a tão prometida requalificação e que o início aconteça ainda este ano. A dúvida está como pagar a obra e o que fazer para reanimar uma rua pela qual a cidade nutre grande estima
Há coisas assim, estranhas e difíceis de explicar. Em Aveiro, e desde há anos, não se poupam críticas ao actual estado da principal avenida da cidade. Nas páginas dos jornais, nos debates políticos, a afirmação é recorrente: a Avenida do Dr. Lourenço Peixinho - que atravessa o centro da cidade - está velha e feia. Mas quando os cidadãos são desafiados a opinar sobre esta artéria, as palavras de estima e carinho são uma constante. Também fazem sugestões e críticas, mas continua a ser a avenida de eleição.
Quem caminha ao longo da artéria, rasgada desde a Ponte-Praça até à estação, não consegue deixar de reparar nos sinais de degradação. Há seis edifícios em ruínas e 65 apartamentos devolutos, segundo dados apurados num estudo da Câmara de Aveiro, que tem ouvido moradores e comerciantes desta que é a principal avenida de Aveiro.
"É verdade, a avenida só fica a perder com estes edifícios velhos", sustenta Alda Morais, que percorre quase diariamente a rua. Isabel Santana, outra utilizadora habitual, começa por destacar a beleza, mas não tarda em colocar o dedo na ferida. "Ainda agora vinha a dizer que é pena a avenida ter tantas casas abandonadas, algumas com uma traça arquitectónica tão bonita", lamenta.
A intervenção recentemente realizada na avenida levantou uma enorme celeuma na cidade, nomeadamente o abate dos velhos choupos e a consequente substituição por novas árvores. Contrariando o que se chegou a temer, "a mudança de árvores trouxe mais alegria à avenida", alega Isabel Santana. "Está de cara lavada", acrescenta. ?Mais lojas de referência
Nos últimos anos, com a abertura dos centros comerciais, a avenida foi perdendo lojas de referência e ganhando lojas de produtos chineses. Mais recentemente, a tendência começou a ser contrariada, em especial na primeira metade da Lourenço Peixinho, mais próxima do centro. Diferentes lojas de marcas reconhecidas apostaram ali em novos espaços comerciais, levando até à recuperação de alguns prédios degradados. "É um fenómeno que deve continuar a ganhar dimensão, por força do esgotamento da capacidade dos centros comerciais e das dificuldades em comportar as rendas cobradas por esses centros", antevê o arquitecto Gustavo Barros, que faz da avenida o seu local de trabalho, dizendo que ela "continua a ser o ponto central e de referência na cidade". Razão mais que suficiente para o levar a apostar nesta avenida para o seu gabinete de arquitectura. Gustavo Barros acredita que essa importância deverá aumentar no futuro, ainda que seja necessário fazer mais."A restauração tem de voltar à avenida, para lhe dar movimento", começa por apontar este arquitecto, sem deixar de se referir à necessidade de qualificar o espaço urbano e de criar incentivos para a recuperação dos prédios degradados. A circulação automóvel também devia deixar de ter o lugar de destaque que tem hoje, acrescenta. "Não podemos ter carros a passar a 100 à hora na avenida", critica, argumentando que a "construção do túnel da estação constituiu um erro crasso, uma vez que se introduziu tráfego na avenida que não tinha de vir para aqui". Como se corrige? "Devia limitar-se a circulação automóvel no túnel aos transportes públicos", sugere.
Alda Morais e Mário Gonçalves, ainda que utilizem a avenida como peões, não concordam com a ideia de retirar espaço aos automóveis. "Não sei se seria boa ideia. Os automóveis dão vida e movimento", alega Mário. "Correm o risco de se repetir o que aconteceu com a Rua Direita. Tiraram os automóveis e as pessoas deixaram de frequentar a rua", nota Alda Morais.
Concordando-se ou não, esse parece ser um dos pontos assentes da intervenção que a autarquia está a preparar para a avenida. A aposta passará por "valorizar a função pedonal" e diminuir "a presença automóvel, anulando ou minimizando o estacionamento de superfície e condicionando a circulação ao longo do eixo". Além disso, e até mais importante em termos de dar vida à rua, a autarquia liderada por Élio Maia (PSD) quer reanimar os pisos térreos dos prédios com a instalação de lojas, de empresas do sector terciário ou então abrir espaços artísticos e culturais.
Com parque, urbanizar?
A ideia de acabar com a primazia do automóvel na Lourenço Peixinho já não é nova e também já havia sido defendida num estudo técnico anterior, encomendado pela Associação Comercial de Aveiro. Aliás, estudos e debates em torno da avenida é o que não tem faltado nos últimos tempos. A tão ambicionada intervenção é que tarda em tornar-se realidade. A crer na equipa responsável pela gestão da autarquia, desta será de vez. "Aquilo que está a ser feito não é apenas um estudo. Será já o projecto de intervenção na avenida", assegura António Soares, assessor do presidente da câmara.O projecto que está a ser liderado por Jorge Carvalho, docente da Universidade de Aveiro, "deverá estar concluído até 1 de Agosto", revela António Soares, que também integra o grupo de trabalho que está a delinear a requalificação da principal artéria da cidade. Quer isto dizer que, a correr tudo conforme previsto, 2011 poderá ficar marcado pelo arranque da tão ambicionada intervenção na avenida, que foi aberta ao tráfego em 1920. "No primeiro mandato, não havia condições financeiras para fazer esse investimento", justifica António Soares, acrescentando que a autarquia está a estudar o financiamento da obra.
Uma das hipóteses em cima da mesa passa pela construção de um parque de estacionamento subterrâneo, que poderá ajudar a pagar a intervenção no espaço público. "Ainda não é certo, mas é uma hipótese", desvenda António Soares. Esta intenção de construir um parque enterrado na avenida já vem sendo propalada desde o último mandato autárquico e nunca reuniu consenso. Pelo menos, no meio político-partidário.
Para ajudar a financiar as obras, a maioria PSD-CDS/PP pondera também criar uma nova zona urbana, nas traseiras da estação da CP. Segundo António Soares, com a venda dos terrenos, a autarquia poderia angariar parte das verbas necessárias para a qualificação do espaço público. Seria uma espécie de "Rossio da Estação", em associação ao "Rossio da Ria", a área urbana que se encontra junto ao início da Lourenço Peixinho.