O fascínio CSI
A expressão espectacular da portabilidade e da deslocalização temática, ambas tão próprias da globalização.
A série CSI: Crime Scene Investigation (em Portugal, Crime sob Investigação que pode ser vista em várias estações) é da autoria de Anthony E. Zuiker, estreou-se em 2000 nos EUA e decorria originariamente na cidade de Las Vegas. Dado o grande sucesso da série original CSI Las Vegas foram criadas duas outras séries herdeiras e surgiu a CSI Miami e CSI Nova Iorque. Têm ocorrido algumas mudanças de elencos mas a estrutura permanece. De um modo geral cada episódio é quase sempre autónomo, havendo contudo personagens ou situações passadas que são evocadas por aparecerem implicadas em novos casos de homicídio ou por serem fulcrais na biografia destes cientistas forenses.
E de onde um tão grande fascínio por esta série onde correm em paralelo narrativas em cada uma das cidades protagonistas? Do seu carácter futurista no início século XXI, começa por ser uma série onde a sofisticação tecnológica não tem comparação com outras produções. Acontece mesmo que algumas tecnologias surgem nas investigações por vezes ainda antes de algumas dessas ferramentas tecnológicas serem colocadas no mercado e de outras constituírem protótipos. O mesmo se pode dizer dos métodos de análise criminal: num dos primeiros episódios de CSI Miami, "H" (Horatio), o chefe da equipa, consegue provar um crime recorrendo a um método inédito de análise do ADN numa prova criminalista, isto no ano seguinte àquele em que se descobriu a sequência do genoma humano.
As instalações destes cientistas forenses são autênticos laboratórios científicos e nada têm a ver com as antigas esquadras ou escritórios de detectives, o que faz a série ser uma combinação de ficção científica com ciência forense. Não é por acaso que Star Trek, de Gene Roddenberry, é abundantemente citada em CSI.
Os investigadores, esses, são simultaneamente polícias, detectives, cientistas, e cada um deles um enciclopedista, com conhecimentos específicos e paixões raras, que tanto podem ser pela entomologia, como Grissom (William Petersen), por cabelos e fibras, Nick Stokes (George Eads), a guerrilha militar, Mac Taylor (Gary Sinise), a balística, Calleigh Duquesne (Emily Procter), ou ainda pela anatomopatologia, como o exímio Dr Albert (Al) Robbins (Robert David Hall).
Finalmente, os episódios têm como cenários as cidades futuristas de Miami, Las Vegas, Nova Iorque com a sua arquitectura de mega escala: os edifícios compostos de grandes superfícies de vidro e de aço, as largas avenidas, as grandes e requintadas superfícies dos espaços nocturnos, as músicas de batidas das danças actuais, entre as quais o dubstep, o uso generalizado de iPhones, iPads, ecrãs LCDs, os bairros elegantes da classe média americana, o glamour das festas ou, pelo contrário mas nem por isso menos futuristas, os bairros sujos numa versão ainda mais suja e mais caótica do que no filme "Blade Runner" de Ridley Scott.
E em conclusão, a velocidade: a velocidade dos carros, dos barcos, da comunicação. O facto de a série se conjugar em três cidades, seja com o céu de Nova Iorque em tons mais negros ou mais azulados em Miami, é a expressão espectacular da portabilidade e da deslocalização temática, ambas tão próprias da globalização. A qualidade das suas intervenções, essas, decorre de eles desvendarem crimes e mortes sempre em condições misteriosas e pouco comuns, o que obriga e é nuclear das narrativas, para desvendar o enigma, o recurso prioritário aos processo de indução e de abdução contra a dedução mais tradicional nas ficções policiais. Os diálogos em que estes dois processos são exemplificados são momentos de particular gozo de raciocínio. A estes processos de lógica deve acrescentar-se a valorização do detalhe, do insignificante, como nas melhores utilizações das teorias da análise literária. Finalmente, apetece perguntar: porque são tão raras as vezes em que estes detectives comem ou bebem? Não se alimentam? Serão cyborgs? O exemplo do médico legista Dr. Albert (Al) Robbins, a quem faltam as duas pernas que foram substituídas por próteses como acontece na vida real do actor Robert David Hall, é um contributo para esta especulação.
Mas o lado físico está presente na fisicalidade de Eric Delko (Adam Rodriguez) ou na voz sussurrante e erotizada de Calleigh Duquesne (Emily Procter).
E contudo estes mesmos cientistas têm facetas obscuras ou passados biográficos desviados face à figura normal do polícia; na verdade esta é uma herança e uma homenagem à série Hill Street Blues, a primeira série policial dos anos 80, onde os policias tinham vícios, problemas familiares e angústias. Os protagonistas de CSI já foram bailarinas de "strip", filhas de mães solteiras - Catherine Willows (Marg Helgenberger) -, viciados no jogo - Warrick Brown (Gary Dourdan) -, com insónias crónicas depois da morte da mulher que morreu no ataque às torres gémeas de NI - Gary Sinise (Mac Taylor) - ou amantes de relações sado-masoquistas - Stella Bonasera (Melina Kanakaredes). São, pois, também humanos, demasiado humanos.
As sessões de análise dos corpos na morgue pelos vários anatomopatologistas são lições excelentes de todo o espectro da medicina; mesmo no meio de expressões de humor comuns nestes ambientes os cadáveres são tratados com respeito, são limpos com cuidado, tocados com delicadeza, algo de recepção plástica acontece que permite evocar a pintura de "A Lição de Anatomia do Dr. Tulp" de Rembrandt.
Repetimos que a velocidade é uma das chaves do sucesso desta série. Aqui tudo é veloz - da entrada à exposição do crime e deste à análise. O tempo é comprimido na montagem e tem como consequência que em cada episódio o enigma é resolvido do nascer ao pôr-do-sol, o que nos remete para uma dos cânones mais antigos da representação: o da unidade de tempo. O fascínio da série vem também da sua rara solidez dramatúrgica. Dir-se-á que esta velocidade de resolução dos crimes é inverosímil. É por isso que CSI é uma série de ficção e não um documentário.