Correia da Cunha, pioneiro da política ambiental, homenageado aos 84 anos

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Correia da Cunha alertou para a necessidade de planear a urbanização Foto: Enric Vives-Rubio

O pioneiro da política ambiental em Portugal, José Correia da Cunha, aos 84 anos, vai ser homenageado hoje na Fundação Calouste Gulbenkian, para marcar a comemoração dos 40 anos da política pública de ambiente em Portugal.

Durante a cerimónia será lançado o DVD “Portugal, um retrato ambiente”, realizado por Luísa Schmidt para a RTP. Ao longo desta série documental de quatro episódios, é tirada uma fotografia aos problemas de há 40 anos. A Gulbenkian convidou para a cerimónia de hoje personalidades como Mário Soares, e Miguel Sousa Tavares. A iniciativa é apenas uma de várias da Gulbenkian que vão marcar os 40 anos da política pública de ambiente.

“Se é verdade que há muitos problemas que melhoraram, há muitos que continuam em aberto e até a agravar-se, como o desordenamento do território”, contou ao PÚBLICO a investigadora do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa.

“Temos que pensá-los a partir de factos históricos como aqueles que são interpretados nesta série”, acrescentou.

Para a investigadora, olhar para o passado é importante para “termos uma memória estratégica que nos ajude a ultrapassar bloqueios. O problema é que temos de recomeçar sempre de novo, perdemos tempo”.

Uma das coisas que mais a surpreendeu, ao estudar os 40 anos de política de Ambiente, foi “a visão estratégica de José Correia da Cunha (...), os problemas que ele identificou como importantes, dando mostras de uma extrema modernidade”, contou. Além disso, admirou-se com “o facto de o Ambiente ser também uma história sobre a evolução do país e da sua modernização, do modelo que escolhemos”.

Luísa Schmidt salientou ainda o trabalho de Correia da Cunha na integração das “dimensões científica, cultural, sociais” no Ambiente, a sua “visão muito actual dos problemas mundiais” e a promoção “da mobilização cívica e da comunicação”.

José Gabriel Mendonça Correia da Cunha, agrónomo e geógrafo, foi deputado da chamada Ala Liberal no regime de Marcello Caetano. Em 1971 o presidente do Conselho desafiou-o a chefiar o primeiro organismo estatal para o Ambiente, criado a 19 de Junho desse ano, a Comissão Nacional do Ambiente. Desde 1971 até 1983, ano em que deixou de existir, foi o seu único presidente.

"Época de amnésia colectiva"

“Vivemos numa época em que a memória é muito curta, num tempo de amnésia colectiva, como se o mundo começasse apenas no momento em que os responsáveis assumiram os cargos”, lamentou Viriato Soromenho-Marques, responsável pelo Programa Gulbenkian Ambiente.

“Precisamos ter uma memória, não como uma relíquia, mas como um estudo crítico para libertar as sementes inspiradoras que abram as portas para o futuro. Temos de conhecer as coisas boas e aprender com os erros já cometidos. Nada medra no esquecimento”, acrescentou ao PÚBLICO.

Este responsável salientou como maiores legados de Correia da Cunha a articulação entre Ambiente e Ordenamento do Território, o contributo da Ciência para a tomada de decisões e a educação na mobilização dos cidadãos, especialmente através do programa “Só há uma Terra”, de 1972 a 1974, com 48 episódios de meia hora cada, na RTP. Importa ainda lembrar o seu trabalho na “política da água, saneamento e protecção do litoral, medidas modestamente lançadas numa altura em que não existiam meios, nem sensibilização, em circunstâncias muito difíceis”.

“Mas o estilo e a escola de intervenção criados por Correia da Cunha nem sempre tiveram seguimento até aos nossos dias. Já nos anos 70, este político teve a consciência de que o país iria sofrer uma urbanização acelerada que seria preciso planear. E a reforma administrativa do país também foi um projecto derrotado”.

A verdade, segundo Luísa Schmidt, é que o Ambiente foi perdendo relevância como pasta no Governo, desde nomes como Correia da Cunha, Gonçalo Ribeiro Teles e Carlos Pimenta. "E nunca se recuperou. Precisamos de um recomeço à Correia da Cunha".

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