Bashir assume responsabilidade pelo Darfur
Perguntaram-lhe: a culpa é sua? O Presidente sudanês usou um truque linguístico e, depois, rejeitou a acusação. Disse que o Ocidente quer mudar o regime de Cartum
O Presidente do Sudão, Omar al-Bashir, disse pela primeira vez publicamente ser o responsável pelo genocídio na região de Darfur. "Sou o Presidente, claro que sou o responsável por tudo o que acontece no meu país", disse numa entrevista exclusiva ao jornal The Guardian.
Al-Bashir esclareceu logo de seguida que essa responsabilidade não significa que seja culpado de qualquer crime e disse que o Tribunal Penal Internacional (TPI) - que o acusa de genocídio - tem realizado uma "campanha de mentiras" e que tem "dois pesos e duas medidas" quando age.
O conflito em Darfur começou (oficialmente) em 2003. Trava-se entre os janjawid, milicianos das tribos nómadas africanas de língua árabe e religião muçulmana, e os povos não-árabes e separatistas da Zona Este do Sudão. Segundo a ONU, a guerra, que prossegue, já matou 300 mil pessoas e 2,7 milhões foram forçadas a abandonar a sua região de origem.
Al-Bashir disse ao Guardian que este é um número inflacionado pelo Ocidente. O seu Governo fala de dez mil mortos e 370 mil deslocados. "Enquanto Governo, lutámos contra os que pegaram em armas para desafiar o Estado. Mas também contra alguns insurrectos que atacaram as tribos... e por isso houve perda de vidas. Mas nem de perto se chegou ao número mencionado nos media ocidentais; esses números foram exagerados propositadamente".
O Presidente explicou que o que se passa em Darfur não passa de um "conflito tradicional" que "começou no tempo colonial". E acusou a antiga potência colonizadora, o Reino Unido, de pretender provocar uma mudança no regime sudanês, tal como está a fazer na Líbia. "É importante para eles [Reino Unida, França, Itália] ter um regime na Líbia que seja, se não leal, pelo menos amigável para esses países".
As investigações à morte da população do Darfur levou a que Al-Bashir se tornasse, em 2009, o primeiro chefe de Estado em exercício a ser indiciado pelo TPI (que tem o patrocínio da ONU) por sete crimes contra a humanidade e crimes de guerra.
Porém, Omar al-Bashir rejeita as acusações e, na entrevista, lançou um ataque cerrado contra o procurador-chefe do tribunal, Luís Moreno- Ocampo: "O comportamento dele é claramente o de um activista político e não o de um profissional da lei. E agora está a trabalhar numa grande campanha para juntar mais mentiras [ao meu processo]. Os casos da Palestina, do Iraque e do Afeganistão, esses, sim, casos claros de crimes contra a humanidade, não foram levados a este tribunal".
Há um mandado de captura contra Al-Bashir, mas está suspenso.
Reagindo às declarações, a antiga alta-comissária para os Direitos Humanos das Nações Unidas, a britânica Louise Arbour, desafiou o Presidente a contestar as acusações em Haia. "Os crimes cometidos contra milhões de civis em Darfur não podem simplesmente ser sacudidos desta maneira", disse Arbour.
Al-Bashir foi também questionado sobre as reformas e revoluções no mundo árabe. Respondeu que as pequenas manifestações no Sudão pedindo "mais" democracia não tiveram grande apoio. "Não terão o impacto que tiveram no Egipto, na Tunísia ou na Líbia, penso que não". Até porque, acrescentou, as reformas já estão em curso no Sudão.
Ainda ontem, na região de Darfur, ocorreram mais manifestações pedindo a queda do regime.