A música que estána cabeça de Ben Frost

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Ben Frost confessa que não ouve muita música, mas quando ouço algo de que gosta fica obcecado e ouve o mesmo disco dias a fio; a última vez que isso lhe aconteceu: Burial

Gentil e feroz - esse é o som da electrónica de Ben Frost. Como cores que não combinam. Concerto intenso em perspectiva para o Teatro Maria Matos, em Lisboa. Vítor Bruno Pereira

4 de Dezembro de 2010. O Teatro Maria Matos aguardava o regresso de Ben Frost a Lisboa, para o segundo dia do Fim-de-Semana Especial. Esse regresso não aconteceria devido a uma greve dos controladores aéreos espanhóis - nas palavras do músico australiano, porque os "aviões decidiram não voar". Quatro meses depois, a poucos dias do regresso de Frost ao teatro lisboeta - 2ª, dia 25 -, o Ípsilon cruzou os dedos. Quando falou, via telefone, o músico australiano estava em Nova Iorque a preparar a estreia americana de "We don"t need other worlds. We need mirrors - Music For Solaris", nova banda sonora inspirada no filme de Tarkovsky. A iniciativa partiu do festival polaco Unsound, que encarregou Frost e o islandês Daníel Bjarnason da tarefa, junto com a orquestra Sinfonietta Cracóvia. Para Frost a banda sonora original destaca demasiado os elementos de "ficção científica do filme", o que não lhe diz muito. "Não é esse aspecto que me interessa; não é a música que associo à história", explica, e espera lançar a sua versão ainda este ano. A colaboração com Bjarnason ("músico excepcional") serviu também para os dois artistas "se descobrirem um ao outro".

Música física

Umas das perguntas inevitáveis é o porquê da mudança do sol australiano para o gelo islandês. Resposta simples. "Visitei a Islândia pela primeira vez em 2003 e senti-me em casa. A minha mudança teve pouco a ver com o meu trabalho e com a minha carreira."

Três anos depois da primeira visita, Frost fundou, com Valgeir Sigurðsson e Nico Muhly, a Bedroom Community, misto de editora e colectivo artístico com sede nos Greenhouse Studios, arredores de Reiquiavique. Actualmente, a editora reúne, para além dos fundadores, o norte-americano Sam Amidon, o britânico Puzzle Muteson e Daniel Bjarnason. Para Frost, o que torna a Bedroom Community interessante é o facto dos artistas não fazerem o mesmo som. "Temos uma estética subjacente que nos liga, mas não está relacionada com o som, mais com o "feeling". Há um lado físico e emocional em toda a música da Bedroom Community".

O último disco lançado por Frost foi "By The Throat", em Novembro de 2009. Poucas vezes o nome de um álbum consegue ser tão representativo da música - são 50 minutos de electrónica experimental que serpenteia entre o drone, o noise e o ambient, ora subtil e calmo, ora selvagem e avassalador. Agarra-se à jugular logo em "Killshot", o tema de abertura, e só larga a presa depois do final repentino de "Through the Mouth of Your Eye", o último dos 11 temas. Quase que foi possível sentir o franzir do sobrolho de Frost, do outro lado do Atlântico, quando surgiu a questão sobre como balancear os extremos, o lado quieto e gentil e o mais feroz. "A linha que separa os aspectos electrónicos, as criações mais sintéticas, da performance de instrumentos acústicos é ténue. Sempre foi assim, não vejo o porquê da separação. Gosto dos diálogos entre essas coisas, gosto de encontrar maneiras de criar novas conversas entre cores que não combinam. Isso faz a música que está na minha cabeça", acrescentou, e ainda não pensa num sucessor a "By The Throat".

"As pessoas lançam demasiada música. Com a distribuição digital, tornou-se fácil fazer e lançar um disco; esta facilidade está a desvalorizar a entidade que é um álbum. Nem passou ano e meio desde "By The Throat" e já me sinto pressionado para trabalhar num novo disco... Nesta altura não tenho nada de novo a acrescentar."

Confessa que não ouve muita música. "Sou preguiçoso, acabo por depender dos meus amigos para saber o que está a acontecer. Por outro lado, quando ouço algo que me agrada fico obcecado e ouço o mesmo disco dias a fio". Quando foi a última vez que isso aconteceu? "Foi o primeiro disco de Burial, que já tem uns quantos anos".

Para além dos companheiros da Bedroom Community, a natureza também é inspiração para Frost. Ou não fosse "The Carpathians", a segunda faixa de "By The Throat", um crescendo composto por pouco mais que uivos de lobos. "O meu fascínio pela natureza é infinito. Não consigo pensar em nada mais inspirador do que o mundo que existe sem nós, humanos".

Os concertos de Frost são conhecidos pela intensidade. Enquanto muitos músicos do sector experimental da electrónica passam os concertos atrás de um portátil e teclado MIDI, Frost deambula com a guitarra encharcada em efeitos, como um predador que faz círculos em volta da presa. "Alguns aspectos do meu trabalho são físicos, e estou muito interessado em música que tenha uma presença física", esclarece. O Maria Matos deverá tremer quando Frost e o seu convidado, o contrabaixista Borgar Magnason, estiverem em palco. "Borgar Magnason foi o músico a quem recorri mais vezes [em "By The Throat"], para me ajudar a pôr em prática algumas ideias. É um contrabaixista único, não conheço ninguém que toque como ele", explica.

Depois de encerrar esta digressão, o capítulo dedicado a "By The Throat" é fechado. "Estou ansioso por começar de novo..."

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