Como se filma o infilmável? Como se mostra aquilo de que não existem imagens? A resposta de Susana de Sousa Dias é simples: com as imagens que há e dando a palavra àqueles que viveram a ditadura, de um modo que, raiando o experimentalismo formalista tem o efeito de libertar a emoção, de tornar o espectador simultaneamente testemunha e participante das experiências que a realizadora e a sua equipa recolheram junto de uma mão-cheia de prisioneiros políticos encarcerados ou torturados pela PIDE durante os 48 anos do regime salazarista. "48" é uma assombrosa lição de cinema, que ejecta todas e quaisquer convenções pela simplicidade depurada e austera do seu dispositivo; um imenso exercício de história vivida e contada na primeira pessoam, como se só do anonimato de vozes, da décalage entre os rostos de ontem e as vozes de hoje deste coro popular, pudesse nascer a intimidade que - como diz uma das entrevistadas - é o lugar da verdade. Como se só deste acumular anónimo de pequenas histórias pudesse nascer a mais fiel abordagem à grande história. Não é contraditório pôr "48" - prodigioso salto em frente para a sua autora - no mesmo caldeirão de cineastas radicais da modernidade fílmica como Godard, Tarr, Van Sant, Costa ou César Monteiro. Para lá de qualquer olhar político, é um filme sobre Portugal. Para lá de qualquer nacionalidade, é uma obra-prima.
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