André Gago
As mulheres da minha vida têm sido importantes quer pela presença quer pelo afastamento, pela ausência.
Sinceramente, penso que no teatro não há diferenças de género em termos da abordagem profissional dos actores e actrizes. O que se passa é que é mais difícil as mulheres terem papéis ao longo de toda a vida. A partir de determinada idade, é mais difícil trabalhar, é essa a percepção que me transmitem as actrizes que conheço.
Há uma infantilização daquilo que se pensa fazer para o público, uma obsessão pelo jovem, mas há imenso repertório que deveria ser feito pelos actores mais velhos.
Nas actrizes de uma certa idade, sinto uma exigência, um desejo de trabalhar num patamar artístico que muitas vezes não reconheço nos actores da mesma idade.
Tenho uma filha, fiquei muito contente quando soube que era uma menina. Acompanhar o desenvolvimento de uma personalidade feminina era uma coisa que me atraía, o que inconscientemente tem a ver com a minha curiosidade pelo outro lado, por observar, por saber um pouco mais.
Tem sido uma surpresa ver como a feminilidade dela se vai desenvolvendo e afirmando. Mas é uma coisa muito aberta porque aqui em casa não se faz uma distinção muito grande entre os dois universos. Há contacto entre o meu input masculino ao nível das brincadeiras e dos jogos, e o lado feminino dela. É engraçada essa mistura, esse encontro.
O que me atrai numa mulher é a promessa. Para além da personalidade, da complementaridade, da busca pela completude, é como se fosse a encarnação ou personificação da utopia como promessa alcançável. É a possibilidade da esperança de atingir essa completude, de chegar ao que me é estranho, desconhecido.
A mulher é um mistério e sem esse mistério seria só um outro indivíduo. É um mistério.
Mas estes são assuntos sobre os quais eu não tenho muito à vontade a falar, prefiro escrever.
[Esta segunda parte da entrevista foi conduzida por email]
As mulheres são lindas, monstruosas, tórridas, frias, gloriosas, miseráveis, pequenas, desmedidas, feias, bonitas, feias-bonitas, magnânimas, parciais, tolerantes, implacáveis, incompreensíveis, claríssimas, perversas, cândidas, femininas, maria-rapaz, curiosas, indiferentes, meigas, cruéis, maternais, madrastas, gordas, magras, inteligentes, desentendidas, pulposas, torneadas, espampanantes, discretas, leais, pérfidas, grutas inexpugnáveis, vulcões flamejantes, rocha inquebrantável, seda coleante, rubras, plúmbeas, fáceis, difíceis, gostosas, acrimoniosas, inteligentíssimas, burríssimas, espertíssimas, sonsas, charmosíssimas, banalíssimas, queridíssimas, detestabilíssimas, castas, impudentes, reservadas, inconfidentes, férteis, estéreis, indomáveis, submissas, descartáveis, imprescindíveis, divertidas, chatas, triunfantes, frustradas, cheias de curvas, cheias de rectas, impenetráveis, totalmente abertas, incalculáveis, calculistas, selectivas, indecisas, demoradas, rápidas, suculentas, frugais, vistosas, lineares, insatisfeitas, fastidiosas, autênticas, fingidas, inconformadas, conformistas, ruidosas, moderadas, poderosas, fragilíssimas, rocha coleante, seda inquebrantável...
O que eu sei sobre as mulheres? Sei que, se escolher metade destes qualificativos, por muito disparatados e por mais estereotipados que pareçam ser, esboçarei, ainda assim, um perfil que corresponderá a um ideal de mulher.
Ou seja: sei muito pouco.
anasdiasg@gmail.com
A partir de uma entrevista com o actor e encenador