Eleições de domingo na Finlândia ameaçam criar um abalo em Portugal
Os Verdadeiros Finlandeses, bem posicionados para integrar um próximo Governo de coligação, são nacionalistas e anti-resgate financeiro. Prometem causar réplicas na Europa
Querem um estado social, mas apenas para os finlandeses. E recusam-se a ver a Finlândia pagar pelos desaires económicos dos outros países da União Europeia. As sondagens têm apontado para um crescimento meteórico do partido populista Verdadeiros Finlandeses. Não se espera que venha a ser o mais votado nas legislativas de domingo, mas é provável que tenha uma palavra a dizer no próximo governo. Se isso acontecer, os efeitos colaterais poderão ser sentidos em Portugal.
É muito raro a UE entrar no debate político interno da Finlândia (como de vários outros países-membros). Só que desta vez o tema invadiu a campanha, polarizou o país e deverá ser determinante na forma como os eleitores vão votar.
A economia finlandesa está em boa forma, mas a fazer cortes na Segurança Social; muita gente vê com maus olhos os milhões de euros que foram emprestados à Grécia primeiro, à Irlanda depois, e que agora serão, ou não, enviados para Portugal. O Parlamento de Helsínquia tem a prerrogativa de aprovar a ajuda financeira aos países da zona euro. Quando for delineado o pacote de financiamento a Lisboa (está previsto um empréstimo de cerca de 1200 milhões de euros por parte da Finlândia), já a nova assembleia estará formada e, quem sabe, preparada para o chumbar.
Como os resgates são decididos por unanimidade, se a Finlândia decidir não apoiar Portugal, o Fundo Europeu de Estabilidade Financeira (FEEF) terá de ser modificado para se avançar com a ajuda, o que poderia colocar problemas noutros parlamentos da zona euro, advertiu à Reuters Martti Salmi, conselheiro do ministro das Finanças finlandês.
Os Verdadeiros Finlandeses farão os possíveis para garantir o chumbo do resgate. Se na legislatura cessante o partido tinha apenas seis lugares no Parlamento, a última sondagem feita para a emissora YLE, divulgada ontem, atribuía-lhe 15,4 % dos votos (as projecções chegaram a ser ainda mais generosas, colocando-o como o segundo mais votado). Ou seja, poderá conseguir eleger cerca de três dezenas dos 200 deputados. Acresce que não são apenas os Verdadeiros Finlandeses que se opõem ao resgate financeiro português. São também os Sociais-Democratas, a quem o mesmo inquérito atribuiu 18 por cento.
A Finlândia está acostumada a executivos formados por vários partidos e deverá ser novamente uma aliança a governar este país nórdico de 5,4 milhões de habitantes. Mas desta vez liderada pela Coligação Nacional do actual ministro das Finanças, Jyrki Katainen.
A Coligação Nacional - de centro-direita, talvez o mais pró-UE e a favor do auxílio financeiro - conseguirá, ao que tudo indica, ver aumentado o apoio do eleitorado (21,2 % das intenções de voto). Tem como principal rival o seu actual parceiro e líder da coligação, o Partido do Centro, da primeira-ministra Mari Kiviniemi (as sondagens dão-lhe 18,6%).
"A confirmarem-se as sondagens, a actual coligação irá manter a maioria no Parlamento", comentou ontem à Reuters Pasi Kuoppamaki, economista do Sampo Bank. Mas ressalvou que ainda assim a obstrução à ajuda europeia está seriamente em risco.
Os dois principais partidos já fizeram saber que não excluem uma aliança com os nacionalistas. Mas estes informaram que não participarão num governo pronto a dar mais garantias de endividamento - o país é um dos seis da zona euro avaliado pelas empresas de rating em AAA e por isso as suas garantias são fundamentais para o FEEF conseguir empréstimos a juros mais baixos nos mercados internacionais.
Se os Verdadeiros Finlandeses entrarem mesmo no Governo, "quase de certeza que os mercados financeiros se irão assustar e os custos do financiamento para a maioria dos países endividados irá aumentar", continua o economista.
Mas se é verdade que o novo executivo irá ter em conta a opinião pública, haverá também uma forte pressão externa sobre Helsínquia para que viabilize o pacote de ajuda a Portugal a bem da estabilidade do euro, comentam analistas.
59% contra empréstimos
Os estudos mostram que 59 por cento dos finlandeses são contra os resgates financeiros dos parceiros da União. Para o ministro das Finanças, é uma boa notícia porque "significa que os outros a aceitam". "Temos de apoiar soluções que mantenham a estabilidade financeira da Europa", explicou Jyrki Katainen à Reuters durante a campanha.Também o comissário europeu das Finanças, Olli Rehn, alertou os seus conterrâneos finlandeses que uma rejeição da ajuda a Portugal iria afectar a estabilidade de toda a zona euro.
Estes argumentos convencerão alguns eleitores, mas não se sabe se os suficientes. Por oposição, e aparentemente com sucesso, o partido nacionalista eurocéptico insiste no seu slogan "os finlandeses primeiro".
Recentemente, o partido nacionalista fez uma viragem para a direita radical, explica por e-mail ao PÚBLICO Cristian Norocel, Investigador do Departamento de Ciências Políticas das Universidades de Helsínquia e Estocolmo. "Apela à "protecção social chauvinista"... com uma agenda cada vez mais anti-imigração".
Parte da sua popularidade explica-se pelo carisma do seu líder, "a face mais refinada do partido", "que se apresenta nos media como um homem vulgar, com interesses vulgares", continua Norocel. Timo Soini "tem ideias conservadoras relativas aos direitos das mulheres (especialmente o direito ao aborto) e dos homossexuais (é contra o casamento gay)". E apesar de ser eurodeputado, é muito crítico da UE.
Para além disso, "explora a representação estereotipada das duas comunidades que aponta como responsáveis pelas dificuldades económicas do cidadão comum", adianta o investigador. "Primeiro, a minoria de língua sueca (5,5 por cento da população tem o sueco como língua materna). O partido critica a natureza bilingue do Estado (tanto o finlandês como o sueco são línguas oficiais)... Depois, os imigrantes, (especialmente os de credo muçulmano), acusados de não se integrarem na maioria finlandesa" e de apenas "virem à procura dos benefícios económicos", com peso para a protecção social.
O analista prevê que "o próximo Governo possa ser mais reservado face à UE e à cooperação na zona euro".