Infinitamente recompensador

Normalmente, a pergunta seria: o que fazer depois de "Person Pitch", álbum perfeito que deu a Panda Bear (Noah Lennox) um protagonismo na actual música popular urbana tão relevante quando o da sua banda, os Animal Collective. É óbvio que esse peso terá tido os seus efeitos naquilo que veio a ser "Tomboy", gravado ao longo de bem mais tempo do que esperaria o habitualmente intuitivo Noah Lennox, músico sem paciência para perfeccionismos. Essa, porém, acaba por ser questão menor.

Panda Bear não se quis repetir e alterou os seus processos: desapareceram os samples como principal suporte criativo e a guitarra tornou-se ferramenta essencial. O tom da música, contudo, não se alterou substancialmente. Culpa da voz, claro, culpa daqueles corais de um homem, só, qual Beach Boys ou Zombies maravilhados com o eco produzido na nave central de uma catedral, e da forma como ela parece emanar de um espaço íntimo e misterioso. Em "Person Pitch", ela foi parte nada negligenciável do fascínio que o álbum provocou. Tal mantém-se em "Tomboy", que consegue a proeza de manter vincada uma identidade musical replicada vezes sem conta desde que o álbum anterior foi editado. Há aqui uma verdadeira marca autoral que ergue Panda Bear acima daqueles que lhe seguiram os passos.

"Tomboy" é um álbum menos efusivo e celebratório que "Person Pitch". Funciona como uma mancha sonora repleta de reverberações dub, das cadências repetitivas de uns Spacemen 3 (Sonic Boom fez a mistura do disco), dos padrões rítmicos de um techno que é mais sugerido que real e de drones e arpeggios de sintetizador que fazem ponte entre os minimalistas e a kozmische germânica e uma sensibilidade pop que Panda Bear nunca elimina das canções.

Tudo isto pode servir uma grelha de leitura da obra de Noah Lennox, mas não a revela. Porque Lennox utiliza essas referências como "mero" esqueleto sonoro. O que constrói sobre elas é que o confirma, novamente, como um dos mais importantes e singulares músicos dos nossos tempos. A força encantatória de "Tomboy", eléctrica de guitarra e sintetizadores (podemos chamar-lhe rock subaquático?), a solar "Surfer's hymn", magia pop que suaviza o passar dos dias, o pessoalíssimo psicadelismo de "Sheherazade", peça cósmica e sombria, como se os Zombies de orquestrações opulentas se descobrissem num outro tempo, criadores solitários rodeados de maquinaria, a cadência insistente de "Afterburner", capaz de provocar uma sensação de intimismo numa pista de dança repleta ou a despedida "Benfica", "lullaby" para sintetizadores com rumor de multidão em fundo.

"Tomboy" não é a epifania de "Person Pitch", nem isso seria de resto possível. Mas é o álbum de alguém que pensa a música como reflexo obrigatório da sua personalidade, que procura que das suas canções sobressaia uma inconfundível singularidade. "Tomboy" oferece-nos isso: um espaço único a que, mesmo conhecendo Panda Bear como conhecemos, nunca tínhamos acedido antes. Infinitamente recompensador.

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