Acidente nuclear de Fukushima pode ser como um Tchernobil em câmara lenta

Foto
Fotos de bebés recuperadas nas ruínas do sismo e terramoto, agora lavadas Toru Hanai/REUTERS

Apenas dez por cento da radiação emitida pela central ucraniana terá sido libertada já pela japonesa, mas a crise nipónica promete prolongar-se durante muito tempo ainda

O acidente nuclear da central de Fukushima 1 foi ontem elevado para o nível 7, na escala de eventos nucleares e radiológicos, colocando-o ao mesmo nível da catástrofe de Tchernobil. Mas isto não o torna idêntico ao desastre de 1986, na Ucrânia, o pior acidente do nuclear civil até agora, em que muito mais radiação foi libertada.

"Fukushima é um acidente completamente diferente", insistiu com os jornalistas o chefe do departamento de segurança e protecção nucleares da Agência Internacional de Energia Atómica, Denis Flory. Em Tchernobil, explodiu um reactor que estava em funcionamento, e houve um incêndio, que mandou grandes quantidades de substâncias radioactivas rapidamente para a atmosfera. No Japão, está a assistir-se a uma espécie de Tchernobil em câmara lenta, em que as emissões radioactivas foram muito menores, mas vão continuar ainda durante muito tempo, a níveis mais baixos mas contínuos.

Desde 18 de Março que as autoridades nipónicas consideravam o acidente de Fukushima como de nível 5, na escala INES (International Nuclear and Radiological Event Scale) - que só reflecte as emissões para a atmosfera e não para o mar -, o mesmo do acidente em Three Mile Island, nos EUA, em 1979. Mas a reclassificação não é propriamente uma surpresa: a ideia já era defendida há semanas por pessoas ligadas à indústria nuclear. Isto quer dizer que as consequências do acidente terão duradouras consequências ambientais e económicas - e para a saúde.

A Agência de Segurança Nuclear japonesa aumentou o nível para 7 baseada numa nova estimativa dos materiais radioactivos já lançados para a atmosfera, mas garante que esta contaminação é apenas dez por cento da de Tchernobil.

Assim, os reactores 1, 2 e 3 de Fu- kushima 1 libertaram entre 370 mil e 630 mil terabecqueréis de materiais radioactivos, nomeadamente de iodo 131 e césio 137. Tchernobil libertou cerca de 14 milhões de terabecqueréis de radiação, num raio de 200 mil quilómetros, escrevia ontem Geoff Brumfiel no blogue da revista Nature.

Mas isto quer dizer que a situação em Fukushima se agravou? Não, explicou ao PÚBLICO José Marques, investigador do Instituto Tecnológico e Nuclear, em Sacavém, e professor da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa. "A radiação já foi li- bertada. O que aconteceu foi que as autoridades japonesas deixaram de avaliar as emissões de cada reactor em separado e decidiram juntar as emissões dos reactores 1, 2 e 3. Esse acumular de radioactividade é que justifica o nível 7". Na sua opinião, esta "reavaliação é realista".

Primeiro-ministro justifica

"As estimativas sugerem que a quantidade de materiais radioactivos libertados para a atmosfera subiu a pique a 15 e 16 de Março, depois de problemas no reactor 2", explicou Kenkichi Hirose, conselheiro na comissão governamental para a segurança nuclear. Esta comissão estima que esteja a ser libertado um terabecquerel por hora, diz a agência noticiosa Kyodo.

O primeiro-ministro japonês, Naoto Kan, defendeu a posição do Governo num discurso transmitido na televisão, relata o New York Times. "O que posso dizer, em relação à informação que obtive - claro que o Governo é muito grande e portanto não tenho a informação toda -, é que nunca foi suprimida nem escondida informação após o acidente", garantiu.

De Pequim vieram sobrolhos franzidos: o primeiro-ministro chinês, Wen Jiabao, disse a Kan que estava "preocupado" com a radiação que está a ser lançada no oceano. "Se o Japão lidar mal com este assunto, especialmente se puser em causa a segurança dos seus vizinhos, isso terá um efeito negativo nas relações [com a China] ao nível dos governos e cidadãos", disse à Reuters Sun Cheng, um especialista em relações sino-japonesas da Universidade da China de Ciências Políticas e Direito, em Pequim.

"Mesmo antes desta decisão já con- siderávamos que o acidente era muito sério. Não haverá alterações à forma como estamos a lidar com a situação", explicou um responsável da agência de segurança nuclear, citado pela Reuters.

A empresa operadora da central, a Tokyo Electric Power Company (Tepco), pediu desculpas por não ter conseguido estancar a fuga de radiação. A maior companhia eléctrica da Ásia admitiu mesmo a possibilidade de o total de emissões radioactivas poder ultrapassar as emissões do acidente de Tchernobil, segundo a Kyodo.

Sugerir correcção