O calvário agradável dosSwans

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Este é o homem que fazia dos concertos uma arena de combate

Em 2006, questionado sobre a reunião dos Swans, Michael Gira foi assertivo. "Nunca." O ano passado decidiu refundá-los. Tocam na Aula Magna e na Casa da Música. Como serão os concertos? Ri: ?"Um calvário agradável". Mário Lopes

Este é o homem que fazia dos concertos uma arena de combate. Vísceras contra vísceras: as do público que não se continha, inebriado pela violência da experiência, pelo odor a sangue que lhe chegava desde o palco, onde aquele homem cantava assombrações sobre uma massa sonora metálica e perturbadora, sobre ritmos industriais, guitarras arranhadas e distorcidas.

Era assim Michael Gira, cabelo comprido e tronco nu, no início da década de 1980, quando os Swans surgiram em Nova Iorque como emanação diabólica da no-wave. Primeiro com álbuns como "Filth" ou "Holy Money", experiência sonora violenta e dilacerante. Depois inflectindo rumo e começando a incluir elementos acústicos e uma abordagem mais "ambiental" (ajudou à evolução a entrada da vocalista e teclista Jarboe na formação, em 1986).

Em 1997, ele mesmo declarava: "Decidi acabar agora com os Swans porque compreendi quão fútil seria continuar. Julgo que o nome se tornou como que uma corda à volta do meu pescoço". Em 2006, quando lhe perguntaram se consideraria a hipótese de juntar novamente os Swans, que transformaram em música violenta, negríssima e perturbada, os demónios que empurram a humanidade, qual gigantesco cordeiro sacrificial, para as trevas das mais diversas formas de totalitarismo (político, religioso, mediático), Gira foi assertivo: "Nunca. [os Swans estão] Mortos e enterrados. Tenho coisas mais interessantes para fazer".

Num dos últimos dias de Março de 2011, o vocalista de "Raping a slave" ou "Cop" atende o telefone em Nova Iorque. Estará em Portugal nos dias 9 e 10 de Abril, primeiro na Aula Magna, em Lisboa, depois na Casa da Música, no Porto. Os Swans do regresso impossível estão de volta (com Annie Lewandowsky, que assina como powerdove, na primeira parte dos concertos).

Editaram o ano passado um novo álbum, "My Father Will Guide Me A Rope To the Sky", onde a barreira sonora eléctrica de ontem se reúne à tensão folk do trabalho mais recente, e andam a tocá-lo mundo fora. Regressaram porque, anos depois de Gira se libertar da corda que lhe apertava o pescoço, um outro nó começou a deixar-lhe uma impressão desagradável na garganta. Chamava-se Angels Of Light, a banda que fundou depois de enterrar os Swans e onde trocara o ambiente extremo e virulento daqueles por epifanias extraídas à folk (as letras, essas, mantiveram o mesmo universo, mas ganharam dimensão de narrativa). E assim cedeu o homem a quem provocavam náuseas as reuniões de bandas. "Senti que não havia forma de evoluir e manter-me interessado [nos Angels Of Light]", declara. "Andava com vontade de ouvir novamente os sons abrasivos que, de qualquer forma, primeiro moldei nos Swans. E isto", defende-se, "não é reviver o passado. É retirar elementos a todos os momentos da minha vida de trabalho. Chamo-lhe Swans porque reflecte a experiência sónica total que trabalhava neles, particularmente ao vivo. Uma experiência envolvente, uma experiência que me eleva espiritualmente". Este é o mote, e é por aqui que Gira continuará ao longo da conversa.

Experiência religiosa

Numa banda onde encontramos agora antigos músicos dos Swans, como o guitarrista Norman Westberg, colaboradores de anos mais recentes e "protegidos" revelados por Gira na sua editora, a Young God, como Devendra Banhart (os Akron/Family são outra das suas "descobertas", os Wooden Wand de James Jackson Toth um dos músicos que produziu mais recentemente), Gira recorda os concertos recentes para nos dizer isto: "Não o sei descrever sem soar pretensioso, mas é como uma espécie de experiência religiosa. Não estamos à procura de uma expressão, mas de um ambiente em que nos possamos perder. Não quero perseguir um som para exprimir fúria ou amor ou ódio. Quero a experiência do som por si mesmo." Uma curta pausa depois, dirá, seguido de uma gargalhada curta e seca: "É como deixar que a mão de Deus te atravesse".

Atravessado pela mão de Deus, canções antigas dos Swans, como "I crawled", "transformam-se sem vestígios do original" e "prolongam-se por vinte e cinco minutos". A mão de Deus neste homem que góticos e metaleiros de vistas curtas reduziam a cliché Anti-Cristo e que outros que viram mais longe, dos Mão Morta aos Sunn O))), transformaram em inspiração, e nasce uma canção como "You fucking people make me sick", dueto entre Devendra e a filha de três anos de Michael Gira. E eis "Eden Prison" e estas palavras: "the supine wild beast upon the slab, would gladly rip the throat from God if only he could reach up to his white ass". Sobre elas, não tem nada a dizer: "Escrevo letras que têm um tema, mas não sou um professor, um politico ou um pregador. As pessoas podem fazer as interpretações que quiserem, mas não faz parte do meu trabalho explicar as canções. Não são um ensaio ou um exame de universidade. Olhemos para as grandes pinturas de Francis Bacon. Se ele estivesse ao nosso lado a explicar-nos exactamente o que significavam, seria tremendamente aborrecido, estragaria todo o prazer que a pintura oferece". Dito isto, regressa à ideia inicial: "Temos que nos manter humildes, sem deixar que a atenção recaia sobre nós. Tem de ser o som a tomar as rédeas". Nós, público, não devemos esperar outro tipo de ajuda da banda: "Tens que te entregar e participar activamente". Sem explicações. É isso que tanto tem entusiasmado Gira neste regresso aos Swans: "nos próximos cinco anos vou estar com os [novos] Swans. É um grande grupo, a melhor banda que já tive".

Regressará uma e outra vez durante a entrevista ao prazer "espiritual" que os concertos lhe têm oferecido. "Cada canção está a tornar-se mais e mais longa. Algumas têm agora vinte minutos. Nunca repetimos uma canção como se ouve no disco, mas também não fazemos improviso jazz. Perseguimos o som", repete pela enésima vez. "É um calvário agradável", dispara, antes da última gargalhada curta e seca.

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